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O Rainho da Inglaterra

12 de Abril de 2020 às 00:01

Carlos Brickmann

O presidente Bolsonaro repete a cada instante que ele é o presidente e que cabe aos ministros alinharem-se a ele, não ele aos ministros. O presidente não concorda com a quarentena, não concorda com o isolamento social, não concorda com a demora do seu governo em entronizar a cloroquina e a hidroxicloroquina como as grandes armas na luta contra o coronavírus, já disse que ele e o ministro Mandetta não se bicam; e, referindo-se à repetida frase de Mandetta, de que médico não abandona o paciente, lembrou que o paciente pode trocar de médico. Pois bem, o paciente não trocou de médico, Mandetta continua ministro, a política de combate à pandemia do Governo se alinha ao ministro, não ao presidente, a cloroquina e a hidroxicloroquina continuam na categoria de remédios em teste, a quarentena e o isolamento estão em vigor. O presidente se limita a fazer fusquinha ao ministro com quem não se bica, saindo para passear e para ouvir panelaços ao vivo.

O presidente não gosta de ver seu pessoal se relacionar com adversários (acha que é traição), mas Mandetta acaba de firmar convênios com Dória.

Pois é, talvez aquela história tão difundida de que o chefe do Governo, de fato, seja o general Braga Netto, chefe da Casa Civil, possa ter fundamento, não parece? O que se comentou fartamente é que Braga Netto é hoje um primeiro-ministro, restando a Bolsonaro o papel de Rainho da Inglaterra, que preside mas não governa, tem os filhos ao lado e não tira a Corona da cabeça.

Claro, claro...

Relembremos os fatos: a CNN telefonou para o deputado Osmar Terra, ele atendeu, pediu licença para atender outro telefone, esqueceu de desligar. A CNN ouviu e gravou toda a conversa de Osmar com Onyx Lorenzoni, o ministro da Cidadania de Bolsonaro. Na conversa, observam parlamentares que o conhecem bem, Terra foi mais polido do que o habitual. E Onyx se queixou de Bolsonaro, que depois de falar várias vezes em demitir Mandetta não apenas não o demitiu, como não conseguiu sequer fazê-lo mudar a linha de atuação. Onyx disse que, se fosse o presidente, não teria dúvidas em cortar a cabeça de Mandetta. Que é que Bolsonaro deve pensar da conversa?

...sem dúvida...

Digamos que a CNN teve a sorte danada de ligar para Osmar Terra bem na hora em que ele receberia a ligação de Onyx. Teve também a sorte de ele ter esquecido de desligar o celular. Mais sorte ainda, de ele ter conversado com Onyx no viva-voz (do contrário, teriam gravado só a parte de Terra). Já Terra teve a sorte de não dizer nada que o comprometesse e de ser bem mais polido que o habitual. Onyx não teve a mesma sorte de Terra e se queixou do presidente em conversa gravada. Ah, as coisas que acontecem por acaso!

...alguma

Há pouco tempo, numa reacomodação ministerial, Bolsonaro colocou Onyx no lugar de Terra. Mas ambos continuaram amigos, como fica claro no telefonema gravado. É verdade. Um é muito amigo. O outro, muy amigo.

O amanhã

Um fato está claro: depois de dezenas de anos de amizade, Bolsonaro e Mandetta já não falam a mesma língua. Num governo normal, Mandetta seria demitido, por não seguir a linha do presidente. Não é questão de estar certo ou errado: quem foi eleito e define o caminho a seguir é o presidente. O fato de Mandetta continuar no governo, seguindo a sua linha, que o presidente diz que é absurda, é outra indicação de que Bolsonaro não é quem comanda.

Negócios da China

A China é hoje o maior parceiro comercial do Brasil, responde por algo como 80% do superávit comercial brasileiro, tem feito investimentos aqui e, hoje, tem papel estratégico no fornecimento de material de saúde para a luta contra a pandemia. Vem o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, e faz dura crítica aos chineses. Como observou com clareza o vice-presidente, general Mourão, se as críticas partissem de outro deputado não haveria problema. “O problema é o sobrenome. Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha não era problema nenhum”. Pouco depois, um dos queridinhos do presidente, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi mais longe, falando mal dos chineses e ironizando sua maneira de falar. Por que o ministro da Educação foi se envolver numa questão de política externa, política econômica, política comercial, sem nada a ver com Educação? E não foi sequer advertido pelo presidente? A conclusão óbvia é que o filho do presidente e o queridinho do presidente seguiram a orientação do presidente. E, apesar de tudo, o ministro da Saúde solicita a compra de equipamento chinês, a ministra da Agricultura negocia com a China, governadores pedem auxílio a Pequim. É para pensar.

Carlos Brickman é jornalista. E-mail: [email protected] / Twitter: @CarlosBrickmann