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O papel preponderante da morfologia

30 de Agosto de 2019 às 00:01

João Alvarenga

Na quinzena passada, nesta coluna, tratei dos aspectos fascinantes da etimologia e seus contributos para o entendimento da origem das palavras do nosso idioma. Neste artigo, discorrerei sobre a função da morfologia, um campo fundamental da gramática que trata de como são formados os vocábulos do nosso vastíssimo léxico. Esse estudo -- considerado por alguns especialistas como um aprofundamento dos aspectos etimológicos -- é preponderante para que os utentes possam compreender a complexidade do mecanismo de formação de determinados termos e seus variados processos.

Aliás, no que se refere à origem da palavra morfologia, segundo a própria explicação etimológica, vem do grego antigo, morphé, que pode ser traduzido por “forma” + logos (de procedência latina), “estudo”. Desse modo, o termo em questão pode ser entendido como: o estudo científico que investiga o mecanismo de formação das palavras, ao longo de construção de um determinado idioma.

Nesse contexto, é preciso fazer um esclarecimento: não trata, aqui, apenas de observar a procedência de determina expressão, ou seja, se é de matriz latina, asiática ou africana, como se fosse mera consulta ao dicionário. A análise detalhada revela sua exata composição e quais elementos mórficos contribuíram para que isso acontecesse. Comparativamente, é como se o termo estudado fosse colocado numa lupa que o ampliasse significativamente.

Assim, não é excesso lembrar a velha lição dos bancos escolares: nossa língua, trazida pelos lusitanos ao território brasileiro, no século XVI, é oriunda do latim (tanto clássico quanto vulgar) -- língua oficial do Império Romano que se fundiu aos falares locais da península Ibérica. Até aqui não há nenhuma surpresa, pois os professores enfatizam isso continuamente; todavia, quando a morfologia entra em cena, um aspecto chama a atenção de todos: a forte presença grega, em muitas expressões, principalmente quando se trata de termos científicos, princípio ativo de medicamentos ou mesmo expressões teológicas. Tal fenômeno se explica pelo fato de que muitos termos preservam a essência matriz greco-romana.

A fim de elucidar, recorro a um vocábulo, aparentemente comum, a palavra “fotografia”, que é resultado do chamado hibridismo, ou seja, a junção de elementos mórficos de idiomas distintos. Assim, temos: photon (do grego, luz) + grafar (do latim, escrever); logo, fotografia, numa alusão poética, significa “escrever com a luz”. Outro exemplo: “televisão” = tele (do latim, distância) + vision (do inglês, visão). Naturalmente, visão à distância. Também temos “alcoômetro”, oriundo da fusão de álcool (árabe) + metro (latim). Na nossa língua, há inúmeros casos de palavras que nasceram a partir desse fantástico processo.

No entanto, esse assunto não se esgota apenas na hibridização, uma vez que existem outras ferramentas que também ajudam na composição das palavras, tais como a aglutinação, que resulta da fusão de uma ou mais palavras ou radicais para formar outro termo.

Nesse quesito, o gramaticista Rocha Lima, em sua obra “Gramática Normativa da Língua Portuguesa”, salienta que, quando ocorre esse processo, há perdas de elementos mórficos e a palavra nascida desse mecanismo ganha autonomia de sentido.

Para finalizar, deixou alguns exemplos: o pouco utilizado advérbio outrora, resultado da fusão de “outra” + “hora”, com o desaparecimento da vogal “A” e da letra “H”. Ou ainda: a curiosa junção de “vinho” + “acre”, que resultou em vinagre. Também temos o curiosíssimo fidalgo, que é “filho de algo”. Ou a engraçada pernalta, junção de “perna” + “alta”. Na próxima quinzena, apresentarei outros mecanismos de formação de palavras. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa “Nossa língua sem segredos”, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.