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O multilateralismo de Biden e a projeção da África

27 de Fevereiro de 2021 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

Após um mês como presidente, Joe Biden sinaliza significativas mudanças para a sociedade internacional pela via do multilateralismo. Em sua visão, Biden prevê uma longa competição com a China, demonstrada pela adoção de diferentes regimes como a democracia estadunidense e a autocracia chinesa. Em sua origem grega, na percepção de que generais deveriam ter poder para tomarem decisões sozinhos, surge a autocracia na ideia de que seria uma forma de governo que centraliza o poder no indivíduo sem restrições. A democracia ocidental também tem sua origem na Grécia na percepção de que aqueles considerados cidadãos poderiam participar da política.

O próprio Biden é bastante realista ao verificar que há um grande debate internacional acerca da melhor forma de governo, levando-se em consideração a crise das democracias. Sob a perspectiva de alguns, a quarta revolução industrial e a Covid-19 teriam demonstrado que a autocracia é o caminho mais eficiente, pois possibilita decisões mais céleres. Ainda na visão de muitos, a melhor forma seria a democracia por meio de decisões tomadas que corroboram a vontade da maioria, sem esquecer de preservar os direitos das minorias. Além das relações sino-americanas, Biden considera que demonstrar a importância da democracia para os povos também é parte da política externa atualmente.

A pandemia continuará sendo um importante tema e motivo de cooperação entre os Estados, independentemente de suas formas de Estado ou governo, portanto a competição não deve prejudicar a cooperação em área de interesse mútuo como o combate à Covid-19. Inclusive, Biden já anunciou que os Estados Unidos da América (EUA) contribuirão com 4 bilhões de dólares para o programa de vacinas Covax da Organização Mundial de Saúde (OMS) que pretende entregar a vacina para países pobres. O multilateralismo do presidente estadunidense em contribuir para um mundo que sairá de uma pandemia com desigualdades sociais aprofundadas é importante para entender o contexto da África.

Em um cenário em que o fim do boom das commodities em 2014 que os países africanos exportavam para a China, seus impactos econômicos, tendo em vista que na maior parte dos Estados africanos as commodities representam aproximadamente 80% de suas exportações, já se verifica uma situação desfavorável no passado recente. O gradativo aumento da ida das meninas nas escolas, a partir de 2020 encontra retrocessos, pois as dificuldades econômicas levam a que as famílias optem por priorizam os filhos a irem em escolas, em um momento de crise financeira em que a África encontra maiores problemas em conseguir empréstimos também.

Um dos aspectos observados na África é que a pandemia somente não teve efeitos mais graves por ser a população mais jovem do mundo. A África também é observada por analista pela necessidade de maior monitoramento pela possibilidade de cepas variantes do SARS-CoV-2. Segundo as informações do Worldometer, a média de idade da população africana é de 19,7 anos, enquanto na Europa é de 42,5 anos. O fato de possuir uma população extremamente jovem pode ser analisado como de grande relevância para o resto do mundo que vê sua média de idade aumentar e a taxa de fertilidade diminuir, ao mesmo tempo em que demanda mão-de-obra jovem.

Na África se localizam também alguns dos quatro Estados com as economias mais promissoras a nível internacional, como a Etiópia, Benin, Costa do Marfim e Quênia, sendo que a capital desse último país, Nairóbi, é uma das quatro sedes oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU) e a única fora da Europa e dos EUA. A recém anunciada diretora-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC) é a nigeriana, Ngozi Okonjo-Iweala, uma escolha de alta representativa, sendo uma africana a primeira mulher a presidir uma organização multilateral de extrema importância para a governança global.

Profa. dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro, Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.