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O menino das gaiolas

20 de Abril de 2021 às 00:01

O menino das gaiolas Crédito da foto: Arte / VT

Vanderlei Testa

Desconheço o ano e em que lugar que alguém começou a fabricar gaiolas no Brasil. Até pesquisei esse fato. Mas, sei que em Sorocaba havia há 72 anos, em 1950, uma loja na rua Barão do Rio Branco com essa finalidade. O seu nome era “Casa das Sementes”. Tinha nesse comércio um pouco de tudo relacionado a plantações e gaiolas. Lá no fundo da loja um garoto com nove anos de idade já trabalhava em meio período. Ganhava o seu salário com essa idade. Seu porte físico grande da descendência de italianos atraiu os donos da loja. Roberto Migliorini Vernaglia estudava no período da manhã na escola da Vila Santana. À tarde, os seus pais Felicio Vernaglia e Carmelina Migliorini Vernaglia preparavam um lanche ao filho para trabalhar. Ele caminhava pelas ruas do bairro passando pela ferrovia da Sorocabana até ir ao Centro da cidade.

Roberto gostava de ficar com a molecada na rua assistindo os bois que passavam em boiada com destino ao matadouro perto da sua casa. Sua diversão com oito anos de idade lhe deu um apelido até hoje. É conhecido como “boi”. E foi com esse nome que sua empresa cresceu.

Com a vaga de montador de gaiola e a missão de passar os fios de arame pelos pauzinhos daquela casa de passarinhos, Roberto relembra do seu primeiro emprego com saudade. Na juventude foi ser ajudante em uma caldeiraria. O seu pai Felicio tinha como vocação ser ferroviário. Nos anos 50 ser empregado da Estrada de Ferro Sorocabana era como um passaporte livre para tudo. Ganhava bem, o emprego garantia estabilidade e até arranjava casamento fácil. Como um tio do Felicio exercia chefia no Departamento de Pessoal da ferrovia foi mais rápida a sua admissão nas oficinas. Felicio assumiu como soldador, ficando até a sua aposentadoria. Já o filho Roberto “boi” nas suas andanças em serviços diferentes teve que dar uma parada para servir ao exército. Foi escalado para o batalhão da aeronáutica. Cumpriu o seu tempo militar. De volta à vida em Sorocaba conseguiu entrar numa empresa que produzia calhas e objetos com as folhas de metal. Roberto aprendeu rápido a profissão. Ele tinha visão de negócios, gostava de trabalhar e queria formar a sua família. Era um tripé motivador. Conversando com os amigos da Vila Santana, foi entusiasmado a abrir a sua oficina própria de calhas. Por unanimidade das sugestões dos amigos o nome escolhido foi “ Calhas do Boi”. Nascia ali a fábrica que há mais de 60 anos tem o “boi” como marca e o apelido do dono, hoje com 81 anos de idade. O menino das gaiolas tem agora uma das maiores produtoras de calhas do Estado de São Paulo. Junto com as três filhas administra o negócio com a mesma simplicidade e humildade.

Nem tudo foi fácil. O Roberto “boi” lembra que começou fabricando regadores de água aos lavradores da cidade Piedade. Tinha que entregar 60 unidades por semana. Trabalhava até dezenove horas, direto de segunda a sexta feira e, aos sábados, na montagem dos bicos dos regadores. Essa loucura de produção artesanal impulsionou a fábrica que surgiria no Jardim Saira. Diariamente ainda o Roberto segue até o seu trabalho. Sua vitalidade, segundo a filha Patrícia Vernaglia é um estímulo às filhas, à mãe Irenice Guimarães Vernaglia e aos netos. Contando sua história, Roberto ao lado do neto Nicolas que completava os seus nove anos no dia de nossa prosa, reviveu sua infância nessa mesma idade fabricando gaiolas.

Das gaiolas e calhas vamos aos bancos escolares do saudoso Francesco Sassaroli. Gostava de ser chamado de Franco. Nasceu na Itália. Um dia o destino o levou a morar em Sorocaba. Sua aptidão de professor nativo do idioma italiano conquistou dezenas de alunos. Franco amava o que fazia: ensinar. Com sua esposa Ana Vera e filha Ari Sassaroli formava uma família excepcional. Tive muitas conversas com o Franco, pois gostava de saborear a sabedoria que ele emanava da cultura italiana. Os 46 anos de vida conjugal foram eternizados numa imagem do casal que ilustro neste artigo em sua homenagem. A cumplicidade de Franco e Ana Vera nunca será esquecida. Um amor testemunhado a cada minuto até que Deus o chamou para ser um anjo no céu. Entre tantas manifestações a mensagem da filha Ari depois de anos, toca até hoje o coração dos amigos. “Paizinho, completamos dois meses sem sua presença tão amorosa, engraçada, irônica, brincalhona, bicuda, impaciente, que enchia tanto a nossa casa e nossas vidas. O mundo e a vida perderam um pouco as cores e a graça sem você, mas seu amor é tão presente e inspirador, seu legado é tão grande, que sigo da melhor forma que posso, com a certeza que você está bem e que um dia vamos nos reencontrar. Em todas as vidas sempre escolherei você. Te amo pai!”

Nas comemorações que escrevo dos 140 anos da imigração italiana ao Brasil, Antonio Carlos Sartorelli relatou que o seu bisavô materno Humberto Maranzano e a bisavó Lilia Fiore Di Girollamo Maranzano chegaram da Itália em 1913, no Vapor Formosa. A avó Angelina Maranzano estava junto. O Humberto teve comércio de sacarias em Sorocaba. Eles compravam sacos nos comércios cerealistas, remendavam os tecidos e garantiam o sustento do lar com as vendas. A família, também participava. A rua Sete de Setembro foi o local da loja de sacarias comandada pelo filho Américo e o genro Abílio. Em uma das fotos que ilustram este artigo, de acervo do Sartorelli, vemos os italianos Maranzano em 1923. Um registro histórico do João Sanches para concluir o artigo é da família de Laureano e Agostinho Cassillo. Eles produziam em olaria na Vila Garcia os tijolos a serem usados nas primeiras casas dos operários de Santa Rosália. São histórias de arrepiar em emoção aos descendentes, guardadas no coração de filhos, bisnetos e netos que se orgulham como todos nós das suas origens.

Vanderlei Testa é jornalista e publicitário, escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul. E-mail: [email protected]