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O ‘mais pequeno’ é mais contemporâneo

18 de Setembro de 2018 às 09:17

Paulo Celso da Silva

A expressão “mais pequeno” não é utilizada na norma culta da nossa língua, preferindo menor como alternativa mais correta. Ainda assim, em castelhano, língua igualmente latina, quando é para qualificar o diminuto, essa expressão é bem-vinda e explica bem o que se pretende dizer.

Mudando o tema da gramática para a economia e status quo que a acompanha, a melhor expressão seria ‘mais grande‘, para configurar alguém com muitas posses, dinheiro, posição social etc.

Adquirir, consumir e esbanjar são ações presentes no imaginário, no desejo e no dia a dia de muita pessoas. Caso o tamanho do bem não seja grande, sua marca deve ser suficientemente famosa para “compensar” o investimento ou gasto.

Tais pensamentos e atitudes são característicos de uma visão, desenvolvida no século XIX, de que o progresso é linear, para frente, sempre acumulativo e positivo, a natureza e os recursos infinitos; durante o século XX isso era ser moderno, ao menos para grande parte da população mundial. Ou seja, éramos contemporâneos de quem vivia no século XIX... E nada modernos! Desconsiderando os avanços e conhecimentos, socialmente desenvolvidos em troca de um suposto conforto material, inúmeras vezes ilusório, pois não nos contentava, ao contrário, nos fazia querer mais e mais.

Um movimento inglês chamado Tiny House (casas pequenas) busca modificar essa visão, esse aprendizado espaço, oferecendo soluções de morar em lugares pequenos. Lugares onde temos apenas o necessário para viver bem, sem excessos, sobras ou acúmulos. Em casa, por exemplo, precisamos de três livros: o que já lemos, o que estamos lendo e o que leremos depois. Todos os demais: nas bibliotecas!

Os adeptos do Tiny House moram em habitações de 14 m2 e, em alguns casos, casas móveis para as quais alugam terrenos desocupados para temporadas específicas em que permanecerão ali. Um outro conceito de morar, viver e possuir, agora baseado na conservação e preservação de espaços e produtos. Vale destacar que os novos conceitos vêm acompanhados de preços altos, como se a novidade e os benefícios fossem algo para poucos. Os lofts, surgidos na década de 1960 nos EUA, utilizavam as fábricas abandonadas, transformadas em local de morar e trabalhar, principalmente para artistas e profissionais liberais. Três décadas depois o mercado imobiliário brasileiro “descobriu” os lofts e construiu edifícios com essa denominação, deturpando e destruindo o conceito de reaproveitar as antigas fábricas e galpões, e comercializando esses imóveis a preços altos.

Quando chegar a “novidade” da Tiny House por aqui, que sejamos contemporâneos com as necessidades do planeta e da sociedade que o habita e não apenas da acumulação de capitais. Há décadas que a maioria das cidades, consideradas mundiais, optaram pela cidade compacta e heterogênea, na qual não encontramos apenas um bairro ou rua especializados em uma atividade -- venda de automóveis, eletroeletrônicos, etc. -- ao contrário, buscaram que a maioria dos bairros possam oferecer produtos e serviços para que o custo seja menor para todos.

Alguns podem alegar que em um país continental como o nosso, espaço não é um problema. É verdade, temos bastante espaço. Contudo, como perguntava/afirmava meu professor de Geografia, Armando Corrêa da Silva, em seu livro “De quem é o pedaço” (HUCITEC, 1986), problemas sociais que exigiam reformas, viraram coisa de comunista, e parece ser melhor aceitar que uma pessoa possa ser dona de propriedades do tamanha de um Estado inteiro do que ser “xingado” de comunista... deixa o “sortudo” com seu Estado, afinal “se ele tem é porque fez algum esforço para isso”.

Paulo Celso da Silva é professor do Programa de Mestrado em Comunicação e Cultura da Uniso. E-mail: [email protected]