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O Luthier de Sorocaba

27 de Outubro de 2020 às 00:01

O Luthier de Sorocaba Crédito da foto: Vanderlei Testa

Vanderlei Testa

Hoje a nossa história têm dois extremos. O lado rígido e incandescente de mil graus do aço e a delicadeza da madeira transformada em violão. Uma mesma pessoa manipulou as barras dos lingotes de aço e hoje acaricia a madeira. Depois de cumprir a sua missão profissional até sua aposentadoria, Alcides Doná Esquerdo foi ser luthier. Um ousado profissional na construção e reparo de violões. Conheci o Alcides ainda nos tempos de sua vida na Vila Hortência. Ele nasceu no bairro Além Ponte. É membro da numerosa família Esquerdo, que vive nas vizinhanças das ruas Sevilha, Catalunha e Madri.

As páginas da vida do Alcides começam a ser escritas em 14 de agosto de 1946. Com o parto de sua mãe e as bênçãos do seu nascimento, o seu destino estaria traçado. Um deles é ser instrumentista das músicas que elevam a Deus o dom da vida. Sua infância escolar, no Grupo Senador Vergueiro, e convivências com os amigos do bairro transcorreram nas brincadeiras de rua, com pião, jogos de bete e outros inesquecíveis brinquedos que não se compram em lojas. Jovem, foi estudar para ser desenhista industrial. E com essa profissão, começou o primeiro emprego na Metalúrgica N. S. Aparecida. Em 1968 foi transferido para o departamento de laminação. Com a chegada do novo laminador italiano, a missão do Alcides passou pela modernidade do processo industrial. Durante dez anos, de 1976 a 1986, Alcides Doná Esquerdo evoluiu no trabalho até chegar à sua aposentadoria em 2005.

O histórico conjugal do Alcides teve o seu início com a namorada Rosemeire Padilha. A primeira paixão e amor que permanece até hoje. Eles namoraram durante quatro anos e noivaram outros seis anos. Estão casados há 50 anos. A Igreja de São Carlos Borromeu, com o padre e atual bispo emérito Dom Castanho celebrando o casamento, continuam nas lembranças do casal Rosemeire e Alcides. Eles têm dois filhos: Alexandre e Alcimeire. Os netos, Adrielle, Arthur, Ryan e Rafaela complementam a alegria da família. Atualmente Rosemeire e Alcides moram no Jardim Gutierres, em Sorocaba, onde uma nova inspiração surgiu desta história do Alcides.

Aposentado, o Alcides foi à busca de preencher o seu tempo com algo que tocava o seu coração. A música clássica e o violão. A decisão de frequentar um curso básico para aprender esse instrumento iria “virar a página” dos sessenta anos do Alcides. Ele gostou tanto de dedilhar o violão e conhecer as letras musicais que evoluiu a ponto de estudar música clássica. E a incrível decisão em 2015 de montar em seu apartamento um ateliê especializado na construção e reparos de instrumentos de cordas. Do dia para a noite, a referência de Antonio Stradivari, conhecido como o Luthier Stradivarius, de 1644 a 1737, iria motivar o Alcides. Ele criou a oficina com ferramentas especiais e foi atrás de estudar cada detalhe da construção do violão. Desde o uso de madeiras importadas, como o cedro canadense.

E foi assim que Alcides Doná Esquerdo construiu o seu primeiro violão, o segundo e o terceiro com a madeira jacarandá da Bahia e tampo de cedro canadense, braço de cedro rosa e escala de ébano, resultando num som extraordinário ao ser usado. Uma obra prima que o Alcides se orgulha ao pensar que há pouco tempo era apenas um aluno. Agora um verdadeiro luthier sorocabano.

Confesso, eu sou péssimo tocador de violão. Ganhei um violão na década de 80 e o tenho guardado há 30 anos como recordação e decoração. Mas parou nisso. Enquanto escrevo este artigo estou vendo um vídeo do Alcides e um professor tocarem violão. Parece tão simples olhar os dedos nas cordas e ouvir aquele som gostoso transformado em música que sai do instrumento construído pelo Alcides.

O violão é considerado um instrumento derivado do alaúde árabe e levado para a península ibérica. Aprendi também, nas pesquisas que fiz do violão, que ele é pode ser derivado da citara romana. E tudo porque a dominação do Império Romano o levou a ser conhecido nas cortes e suas festas.

No Brasil, a história da chegada do violão, considerado viola, com dez cordas ou cinco cordas duplas, teve a sua origem com os portugueses que aportaram por aqui na colonização. Conta-se que os jesuítas da época do descobrimento do Brasil eram exímios tocadores da viola. Como estratégia de evangelização dos índios, eles usavam, na catequização, cantar e tocar instrumentos. Isso nos idos de 1549, na Bahia.

Alcides Esquerdo relata que basicamente as pessoas conhecem o violão como um instrumento musical de três partes. A cabeça, o braço e o corpo. Também conhecida de mão, a cabeça é fixada na ponta do braço. Já de cada lado da cabeça ficam as peças chamadas de cravelhas ou tarraxas, onde as cordas são enroladas. Detalhe: há uma cravelha para cada corda.

Sentados em seu sofá, com o violão preferido e produzido por ele mesmo, Alcides e sua esposa Rosemeire, rodeados dos filhos e netos, cantarolam suas músicas e deixam o dia mais alegre para todos, ao lado da mesa de café e bolo de chocolate. E como eles mesmos dizem: “Quando temos amor e respeito, além de amor e compreensão, chegamos aos 50 anos de casamento sem perceber que tantos anos se passaram. É uma imensa gratidão a Deus que sentimos em nossos corações quando olhamos no passar dos anos a riqueza de termos uma família abençoada como a nossa”.

Vanderlei Testa é jornalista e publicitário e escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.blogvanderleitesta.com e www.facebook.com/artigosdovanderleitesta