Buscar no Cruzeiro

Buscar

O improvisado banquete

04 de Agosto de 2018 às 12:02

Produzem-se no Brasil centenas de programas de culinária.

Só no canal GNT há quinze. (Veja -- ed. 2592 -- Julho, 2018)

Eu e Adélia tivemos que lutar contra o sono para acompanhar o concurso. A dona de casa Maria Antônia venceu o Masterchef, reality-show exibido pelo Canal Bandeirantes. A vencedora ganhou carro de luxo, troféu, curso de culinária numa afamada escola da França, além de outros prêmios. Derrotou o padre sorocabano Evandro e outros talentos na arte de preparar comidas de encher a boca d"água.

Se você zapear em sua televisão, encontrará inúmeros programas dedicados à Gastronomia. Observando-os, acredito que tem gente que nem sabe cozinhar, mas entrou no filão lucrativo.

Animais domésticos e os plantéis do agronegócio recebem rações de alto custo, superenriquecidas e equilibradas, enquanto o bicho-homem convive com a obesidade ou com a fome crônica, dependendo da área em que viva ou atue. Diante do boom dos programas culinários, dá pra se pensar freudianamente que, insegura no quesito amor numa época de tanta violência e materialismo, a classe média compensa seu desconforto empanturrando os olhos de comida e bebida na TV a cabo. Solitária e frustrada -- em que pesem os celulares e tablets de contato imediato em todos os graus -- liga a TV como quem abre caixas de bombons.

Adolescente tabagista, eu fazia jus ao "chato pra comer" do Claude Troisgros. Sou do tempo em que o frugal feijão com arroz, mistura e verdura eram o pão nosso de cada dia. Por sorte, nos lares em que vivi, as senhoras da casa eram verdadeiras masterchefs nas refeições rotineiras. Ir a restaurantes, acontecimento a ser lembrado durante muitos anos.

No longínquo 1948 curti férias na casa de meu irmão Gilberto, coordenador regional no combate à broca do café. Acompanhei-o num evento em município distante muitas horas de sua sede. A Fazenda Paraíso receberia a visita do Dr. Newscomber, entomologista americano, especialista em coleópteros (besouros) que praguejavam os cafezais das Américas e África. Saímos de madrugada sob forte chuva, numa caminhonete para a precariedade das estradas de terra. Chegamos a tempo de assistir ao pouso do monomotor que trouxe o ilustre entomólogo. A herdade fazia jus ao nome. Ao lado dos cafezais, belíssima sede. Numa parte mais afastada, 500 alqueires de intocada e intocável Mata Atlântica. Também possuía currais modernos e pastagens muito bem cuidadas. Naquele dia, pela vez primeira, conheci aquela raça zebuína de pelagem branca. O plantel de nelore era tão bem selecionado que todos pareciam gêmeos (pelo menos aos meus inexperientes olhos). A visita técnica ao cafezal ficou para a parte da tarde, após o almoço.

Precedido por caipirinhas e uísque, o repasto foi um banquete de iguarias e assados servido à francesa. Completado por várias sobremesas com produtos e café especial da própria fazenda. O bate-papo rolou sobre amenidades, visão dos EUA sobre o Brasil e vice-versa, cinema e músicas. O destaque foi sobre Carmem Miranda, de quem o casal fazendeiro ficara amigo e costumava visitá-la nos EUA .

Quando terminou a vistoria nos talhões de café, a chuva voltara a cair. Já era noite. Iniciamos as protocolares despedidas. Quando a Senhora da casa soube que enfrentaríamos muitas horas de estrada, conduziu-nos à cozinha e ordenou que a serviçal nos preparasse janta rápida.

Não me lembro os componentes no cardápio do almoço. Mas, aquele arroz com bife de filé-mignon a cavalo foi uma das melhores refeições que tomei nesta minha longa vida. Inesquecível.

Como reza o dito popular "Fome ou labor, do apetite melhor abridor".

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço

[email protected]