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O homem e a varinha

06 de Junho de 2020 às 00:01

Roger dos Santos

Quando ele levantava a varinha, a mágica acontecia. Nunca falhava. Tocava os corações, aliviava as mentes, levava as pessoas de um lugar para outro, era deslumbramento e emoção. Suas maiores obras marcariam os outros donos de varinhas e também seus aprendizes por muito tempo.

A época na qual esse mágico viveu não foi fácil. Havia impérios, reinos em guerra e revoltas. Era época de um imperador conquistador, que, ao menos por um tempo, era visto como quem iria corrigir os problemas da época. O mágico fez uma obra em sua homenagem.

Não menos interessante que reis, rainhas, cientistas, filósofos, o homem da varinha conheceu outros, foi aprendiz de outros, soube cultivar suas raízes.

O avô também possuiu uma varinha. Ainda quando criança, a magia já se mostrava em seu pequeno corpo. Seu próprio pai percebera que o filho poderia ser grande, ao menos tão grande quanto o maior da época.

Tamanha foi a pretensão paterna que o mágico teve uma infância difícil. Passou maus pedaçosà cresceu e mudou-se para uma grande cidade onde os maiores de seu tempo viviam, aqueles que o pai do mágico tanto admirava.

Nosso personagem soube aprender com os maiores, foi discípulo deles até que conseguiu seu lugar. Seu poder logo foi percebido. Passou a fazer preparos para nobres que o recompensavam e cada vez mais o mágico se desenvolveu.

Embora o poder do mágico crescia, havia um ponto fraco, seu coração. Notou sua solidão, buscou por várias vezes uma amada. Tentou, tentou, tentouà.

O amor não foi o único revés, viveu alguns fracassos, enfermidades, mas sua magia o socorria. E ao fazê-la chamava a atenção das pessoas. Como vivia na cidade, revelava aos demais que residiam ao redor que mais uma obra estava em curso. Havia fórmulas rápidas, que duravam alguns minutos, porém notava-se que era inédito. Aquele jovem mágico mostrava que superaria seu mestre e mesmo os demais gênios que conhecera. Um desses, amigo do mestre do mágico, falecera ainda jovem.

Então o mágico ficou adulto e fez seu nome. À medida que os anos passavam entendia o próprio poder, acreditava que tinha se tornado o maior.

De tudo que desenvolveu, e não foi pouco, algumas obras marcariam muitos gostos, influenciariam percepções e sensibilidades. Mas a vida do mágico voltou a pregar peças.

Aos poucos, mesmo quando já figurava entre os grandes, uma das qualidades essenciais para sua magia começou a acabar, e com isso o personagem deste conto se entristeceu, tornou-se ríspido, deprimido, mas a magia, sempre essa, o ajudou a dar a volta por cima para, cada vez mais forte, criar mais e mais belas obras. E surgiram grandes obras! Dessas grandes, a quinta obra mostrou, mesmo para quem ainda tinha dúvidas de seu poder, que aquele mágico, de fato, chegara para marcar a história.

A respeito das tais grandes obras, quando ele já era maduro, longevo, já com muitas limitações em administrar sua magia, conseguiu o inesperado, a nona das grandes obras superou seu próprio legado, e para muitos de seus colegas superou a todos os outros.

E agora? Você conhece esse mágico? Já ouviu contos dele? Nosso protagonista tem nome, sobrenome e biografia. E faz tempo.

Ano de 2020, 250 anos de nascimento de Ludwig van Beethoven, o musicista, o compositor, o maestro que, apesar da surdez, ao levantar a batuta diante das orquestras que executaram suas obras, renovou a música, renovou a forma como se sente a música e, como teria dito, transformou essa arte como outros não fizeram.

Roger dos Santos é mestre em Comunicação e Cultura e doutorando em Educação pela Uniso, professor de Estética e História da Arte na mesma instituição. Membro dos grupos de pesquisa MidCid e GPESTI. ([email protected])