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O dia em que virei lixo

08 de Dezembro de 2018 às 06:30

O dia em que virei lixo Crédito da foto: Vanessa Tenor

Edgard Steffen

Em 1965 a ONU instituiu o 05/12 Dia internacional do Voluntariado

Segundo o Ministério da Saúde, 97,2% das vagas do Programa Mais Médicos foram preenchidas até o dia 26/11/2018. Esta foi para mim agradável surpresa. A notícia. Não confundir com o título deste escrito! O rápido preenchimento das vagas contradiz minha afirmação de que “o nó do SUS está na implantação de um sistema socialista num país capitalista, onde o lucro não é ilegal nem pecado mortal”. Os mapas da distribuição de profissionais médicos, seja na Região, no Estado ou no País, mostram concentração de profissionais nos grandes centros, e escassez nas comunidades longínquas e pobres. Justo as mais carentes de assistência básica.

Vamos esquecer as altas mensalidades do curso médico, fora das universidades estatais. Ainda se pode ouvir aqui ou acolá, “formar filho médico é investimento muito alto com retorno a prazo muito longo”. Vamos pensar apenas no jovem recém-formado. Quem, após enfrentar exames classificatórios ou para comprovação de aprendizado -- vestibulares e quejandos, provas para seleção de residentes, exames nos Conselhos de especialidades -- topa estabelecer-se em comunidades sem retaguarda? Espécie de desterro, onde a hospedagem é precária e o lazer restrito ao sinal de TV aberta. Existem municípios que oferecem auxílio-moradia e outros fring benefits. Muitos outros, inviáveis emancipados por questões políticas locais, mal sobrevivem com verbas estaduais e federais. Nesses lugares vai ser muito difícil repor “mais médicos”.

Com a saída repentina dos cubanos, médicos aposentados, em boas condições de saúde, poderiam, por curto tempo (um ou dois meses), apresentar-se para suprir a carência até que o governo conseguisse equacionar o vazio da assistência básica. Seria um voluntariado para demonstrar apoio à nova forma de governança, ao mesmo tempo em que gerasse ganho extra e transitório para o voluntário.

Por idade provecta eu me sentia naturalmente excluído desse quimérico voluntariado. Pelo que alguma afoita personagem andou falando no Conasems* agora sinto-me lixo na ilustre companhia de meus colegas aposentados. Claro que existem espertinhos e espertinhas, neste Brasil de pseudo-inocentes com malas de dinheiro e propriedades em nome de laranjas (não colhidas no Agronegócio). Profissionais intencionados apenas nos salários (gestantes no último mês de gestação, idosos com incapacidades, condenados por crime, etc) infiltraram-se entre os candidatos ao Mais Médicos. Jeitinho de levar vantagem sem ônus da contrapartida. Mas, colocar tudo num mesmo saco, ofende. Em público, no exercício de suas funções, o gestor de saúde não pode se comportar como se estivesse numa reunião de centro acadêmico.

Aposentado compulsoriamente, deixei de acompanhar os órgãos de controle social que regem o SUS. Eram todos dominados pela esquerda. Membros eleitos “democraticamente”à por via indireta.

Talvez seja a hora dos novos governantes, democraticamente, ganharem o controle político dos colegiados previstos no SUS. A Democracia funciona. É o mais eficiente dos regimes, porque a vontade do povo comanda as mudanças.

(*) Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço - [email protected]