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O Continente Digital

24 de Maio de 2020 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

Durante estes tempos de quarentena, a Arquidiocese de Sorocaba tem procurado transmitir as missas através dos meios de comunicação e, principalmente, através das redes sociais. Esse uso, ainda que inédito na sua intensidade e frequência, não é só de agora. Na verdade, a Igreja Católica usa os meios de comunicação social já há um bom tempo. Há mais de cinquenta anos, a Igreja publicou, no dia 4 de dezembro de 1963, um decreto conciliar chamado “Inter Mirifica”. O título do documento coincide com as duas primeiras palavras do seu texto: “Entre as maravilhosas invenções da técnica, a Igreja acolhe e fomenta aquelas que abriram novos caminhos para comunicar mais facilmente notícias, ideias e ordens” (IM 1).

Depois de mais de meio século, alguns incidentes do Concílio Vaticano II foram apagados da memória. Quem recorda ainda a agitação que tomou conta da Aula Conciliar e dos centros de informação quando se soube que os padres conciliares estavam debatendo um texto sobre os meios de comunicação social?

Havia muita contestação e reação negativa ao texto que sequer tinha sido publicado, quase como aconteceu recentemente com o Sínodo da Amazônia. Mas, no fim das contas, o decreto “Inter Mirifica” representou o reconhecimento institucional e oficial da Igreja para prosseguir nos esforços de utilização das novas tecnologias de comunicação.

O decreto formula alguns pontos essenciais de uma boa comunicação social.

“É necessário que todos os interessados na utilização destes meios de comunicação formem retamente a consciência acerca de tal uso. A primeira questão refere-se à informação, ou obtenção e divulgação das notícias. É evidente que tal informação resulta muito útil e necessária, pois a comunicação de notícias sobre acontecimentos facilita aos homens um conhecimento mais amplo e contínuo dos fatos, de tal modo que pode contribuir eficazmente para o bem comum e maior progresso de toda a sociedade humana. Existe, pois, o direito à informação sobre aquelas coisas que convêm aos homens. No entanto, o uso reto deste direito exige que a informação seja sempre objetivamente verdadeira e, salvas a justiça e a caridade, íntegra. Quanto ao modo, tem de ser honesto e conveniente, isto é, que respeite as leis morais do homem, os seus legítimos direitos e dignidade, tanto na obtenção da notícia como na sua divulgação” (IM 5).

Creio que ler esse texto hoje pode causar certo desconforto naqueles que só se interessam em exaltar uma falsa “liberdade de informação”. É preciso mais do que nunca defender o direito fundamental de todas as pessoas de receberem informações que são necessárias para a obtenção do bem comum e não somente para vender e comprar notícias.

O encorajamento que o decreto “Inter Mirifica” (IM) dá aos cristãos que atuam nos meios de Comunicação Social permite afirmar que eles não são francos atiradores abandonados ao próprio destino. Sendo competentes e sérios em sua atuação, eles têm direito ao apoio de toda a comunidade cristã.

Se não podemos mais improvisar comunicadores é igualmente verdade que não podemos pensar que os usuários devam permanecer receptores passivos das informações e notícias. O decreto vê os usuários como pessoas responsáveis chamadas a exercerem sua responsabilidade (cf. IM 9).

Mesmo que o decreto não tenha falado nada sobre a internet e as redes sociais, isso não diminui a sua importância e atualidade. O decreto iniciou uma prática e uma reflexão sobre a comunicação digital, e foi isso que permitiu a Bento XVI apresentar aos jovens de hoje o apelo de uma evangelização do “continente digital”.

“Queridos jovens, senti-vos comprometidos a introduzir na cultura deste novo ambiente comunicador e informativo os valores sobre os quais assenta a vossa vida! A vós, jovens, que vos encontrais quase espontaneamente em sintonia com estes novos meios de comunicação, compete de modo particular a tarefa da evangelização deste “continente digital”.

Para nós que nascemos no mundo analógico e tentamos sobreviver no continente digital, os jovens parecem, às vezes, como ‘seres de outro mundo’. Mas por mais diferentes que sejam eles, não deixam de estar no nosso coração. Se estiverem no coração da Igreja, serão eles os missionários do continente digital onde habitam os facebookanos, os whatsappanos e talvez os remanescentes da extinta tribo dos orkutanos.”

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.