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O colapso da saúde e o ‘Vezão’ prometido

23 de Março de 2021 às 00:01

Celso Ming

A história nem sempre se repete, como tanto se diz, nem mesmo como farsa. Mas, do ponto de vista da atividade econômica do Brasil, este primeiro trimestre vai terminando com a cara de fim de primeiro trimestre de 2020, ou até pior, porque muita coisa desandou.

Há um ano, o que parecia alarmismo ou, se não isso, algum exagero de certos analistas, começou a se confirmar. A Covid-19 se espalhava a grande velocidade pelo mundo, foi preciso levar a população a se trancar em casa, as empresas transferiram seus escritórios para as residências dos funcionários, médicos e terapeutas passaram a atender pela internet, artistas tentaram passar seu recado ao público em lives, muitas vezes improvisadas. Por isso, por toda a parte, o PIB mergulhou e só não caiu mais porque bancos centrais e governos (o do Brasil, inclusive) despejaram fartos recursos públicos.

A novidade deste ano é a vacina. Mas, multiplicado em várias cepas, o coronavírus continua fazendo estragos. Países cujos governos foram previdentes vêm conseguindo virar o jogo. Porém, o Brasil continua na pior e tem um governo que preferiu deixar que a imunidade de rebanho prevalecesse sobre a ação da vacina, sob o argumento absurdo de que a população pobre está acostumada a lidar com esgoto.

Já chegamos perto dos 300 mil mortos, tendendo ao meio milhão ainda em 2021. Por toda a parte, o sistema de saúde vai entrando em colapso. Enquanto isso, o comércio não essencial foi fechado, a economia vai perdendo o fôlego e o desemprego só aumenta.

Também no ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometia uma recuperação da atividade econômica em forma de “V”. Não era um simples “V”. Era um “Vezão” que, no entanto, virou de ponta-cabeça. Neste ano, a mesma coisa. Teria de ser um “Vezão”. Mas o risco é de que, apesar das projeções otimistas da economia mundial, esse crescimento no Brasil não passe de um “vezinho”.

Bolsonaro tem todo o interesse no “Vezão” do seu ministro porque sabe que seus interesses eleitorais dependem de que o emprego seja retomado, de que os caminhoneiros não tentem novas paralisações, de que as pessoas voltem a usar os seus cartões de crédito para consumir. Mas continua entendendo que a vacina favorece mais seus adversários políticos do que ele próprio. Por isso, ou a boicota ou a tolera pela metade, ao contrário do que tem dito e repetido o ministro Paulo Guedes, para quem a recuperação da economia depende do sucesso da imunização em massa.

Com a alta dos juros básicos, o Banco Central começou o contra-ataque a duas ameaças. A primeira delas é a inflação que vinha descarrilhando, em parte, consequência da alta das commodities (petróleo e alimentos) e, também, da disparada do dólar, que se verá em seguida. É uma inflação empurrada pelo aumento do consumo, em grande parte consequência da distribuição inevitável do auxílio emergencial.

A disparada da cotação do dólar, a outra ameaça enfrentada pelo Banco Central, tem a ver com o aumento da insegurança que leva empresas e pessoas físicas a recorrer a reservas em moeda estrangeira ou a delas não se desfazer. E isso acontece num ambiente de excelente saúde das contas externas, quando as reservas ainda estão em torno de US$ 350 bilhões e quando no mundo há um rali das commodities, fator que beneficiará a mineração e o agronegócio do Brasil - que, por sua vez, ajudarão também a empurrar ainda mais para cima as contas externas.

Contra a mãe das duas ameaças anteriores, o Banco Central quase nada pode. Trata-se da disparada do rombo das contas públicas. A dívida bruta aponta para 100% do PIB e a alta dos juros deverá aumentá-la. Tanto o presidente como os políticos só pensam em gastar, especialmente agora que o avanço do PIB vai minguando e é preciso pensar nas eleições de 2022.

Alguém poderá observar que há uma quarta ameaça, talvez maior e mais grave: a de que o governo segue sem estratégia, as reformas só avançam da boca para fora e, enquanto isso, a Covid-19 vai ceifando vítimas.

Celso Ming é jornalista especializado em economia.