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O Céu mandou alguém

21 de Julho de 2018 às 15:31

Edgard Steffen 

O Céu mandou alguém

Não existe maior amor do que este: alguém

dar a própria vida por causa de seus amigos.

(João 15:13)

Acompanhei todas as copas pós-1950. Por elas percebi o nascimento da aldeia global. Reduziu nosso orgulhoso planeta a um mundinho de nada. Primeiro a transmissão radiofônica, depois o cinema, a televisão branco-e-preto e o videotape, até chegar à transmissão direta, ao vivo e à cores. A deste ano foi a mais justa e a mais bonita das Copas. A Globo mandou para a Rússia o que tinha de melhor em voz, talento e beleza física. A Fifa providenciou imagens e tecnologia que impediram erros crassos na arbitragem. A magia da tv mostrou que o Kremlin -- nos filmes da Guerra Fria sinistro cinzento abrigo do mal -- é um conjunto arquitetônico capaz de enfeitiçar o mais descrente turista.

Concordo até com a ópera bufa das quedas de nosso Neymar. Subliminar representação de um país que anda caindo pelas pontas de seus três poderes, em casuísmos, debates sobre de lana caprina e proposições que nada tem a ver com solução para os pátrios problemas.

Só não concordo com as premiações. A França mereceu, e já garantiu presença na Copa de 2022. Também no Qatar estará o Grande Campeão deste ano. Na tribuna de honra da FIFA, vocês verão o time dos "Javalis Selvagens". Didier Deschamps foi eleito o melhor técnico. Mais difícil do que faturar a World Cup de ouro maciço, foi manter unido um grupo de pré-adolescentes, na escuridão de um nicho ameaçado pelas águas. Eu daria o prêmio para o técnico budista Ekapol Chantawong (25 anos) que os ensinou a meditar, para que diminuísse a ansiedade e o consumo calórico na situação de estresse. Deu exemplo jejuando e sendo o último a ser resgatado. A escolha do artilheiro foi barbada: inglês. Eu dividiria a artilharia com dois mergulhadores compatriotas de Harry Kane. Guiados por extraordinária força chegaram ao nicho onde estavam os meninos. Gol de placa! Cristiano Ronaldo, não foi o melhor, mas o primeiro ídolo a ser negociado por vultuosa quantia. O craque foi o croata Luka Medric. Justo. Mas quem mereceu o prêmio do melhor e mais caro jogador foi Saman Kumam, mergulhador tailandês, que se jogou nas águas barrentas. Morreu no esforço de instalar corrente de oxigênio para o salvamento dos meninos. O melhor jogador jovem foi Mbappé (19 anos). Mais importante que ele foi o menino, que nem era jogador, mas falava inglês e possibilitou a comunicação do time tailandês com os salvadores.

Melhor que o show da Rússia, o show da solidariedade demonstrado em todo mundo. Por atos, no local. Pela oração, em todos os credos e nações. Do céu vieram as chuvas. Do Céu, o socorro.

Paro minhas divagações de torcedor e abro espaço ao brilhante texto do meu amigo obstetra Dr. Sérgio Bálsamo.

O Parto da Montanha

Sou obstetra. Quando acompanho um nascimento, o feto, no primeiro parto, faz um trajeto que pode durar cerca de 10 a 12 horas. Ele está dentro do útero, envolto em líquido e terá que sair através de um canal difícil e limitado, tendo alguns pontos estreitos para ultrapassar. Os ossos da bacia são duros como pedra. É empurrado para frente pela contração uterina. Respira por um cordão e seus pulmões são a placenta. No final, chega ao mundo exterior, para a luz. Já pode respirar sozinho, sem a placenta. Acompanho tudo e sou o responsável pelo resultado. Tenho que vigiar seu bem-estar e evitar complicações.

Na Tailândia, algo semelhante aconteceu com os meninos e seu treinador, presos em uma caverna inundada como se fosse o útero. Foram levados à frente pelos mergulhadores, tal como a contração uterina. O cilindro de oxigênio era a placenta. O túnel longo e as pedras duras como ossos. Vários pontos estreitados também dificultavam a travessia. Mas venceram o trajeto e vieram para a luz, respirando agora livremente. As várias possibilidades de insucesso não aconteceram e muitos acontecimentos se complementaram para o desfecho favorável. Não foram meras coincidências, pois tinham sempre o mesmo propósito.

Isto me permitiu identificar o obstetra: Deus. Exultei com a retirada de todos em segurança e mais ainda pela confirmação do que eu já sabia: ELE existe.

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço -- [email protected]