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O Carnaval de Sorocaba sem o Lolô

25 de Fevereiro de 2020 às 00:01

O Carnaval de Sorocaba sem o Lolô Crédito da foto: Arte Vt / Arquivo JCS / Acervo da família

Vanderlei Testa

Ah, que saudades da música “Máscara negra” e das fantasias de Carnaval. As marchinhas dos anos 60 e 70 eram incrivelmente criativas. O Carnaval de rua, uma saudade da minha juventude ficou na lembrança. Os adolescentes da Sorocaba atual não imaginam como eram os blocos de rua e bailes que os seus pais frequentavam.

Lembro-me dos jovens vestidos em roupa de personagens de gibis. Eu tinha uma fantasia do Zorro. Havia uma loja de tecidos na esquina da rua Coronel Nogueira Padilha com a rua Coronel José Tavares. A loja do “Carlão” vendia cetins em metros para serem confeccionadas as roupas de Carnaval.

Minha mãe era costureira e sempre dava um jeito de fazer as peças que eu mostrava de revistas. Nessa tradicional loja do bairro Além Ponte chamava a atenção a vitrine com os lançamentos de lança-perfume, autorizados para serem comercializados naqueles áureos tempos.

Tinha o lança-perfume de embalagem de metal da marca “Rodo”, porque era fabricado pela Rhodia. O lança-perfume em tubo de vidro exigia que fosse agitado até sair com pressão aquele perfumado líquido. Só que ardiam os olhos de quem levasse uma espirrada no rosto.

As serpentinas e confetes custavam barato e as cores na sua maioria eram verde, amarelo e vermelho. A 50 metros de distância da loja do Carlão dava para ouvir o som das bandas tocando marchinhas nos bailes do Clube Avaí. A música “A jardineira” fazia sucesso e animava a rua e os casais foliões que lotavam aquele salão no segundo andar do prédio que um dia também foi à sede do Clube Alhambra.

O Clube União Recreativo, Sorocaba Clube, Circulo Italiano e Clube Ipanema acolhiam um público de associados mais refinados. Roupas brancas e adereços produzidos por costureira dos ateliês davam aos foliões, em noites de concurso de fantasias, uma aparência de reis e rainhas, personagens da história do Brasil colonial em suas vestes coloridas e chapéus com plumas de pavão.

Causou impacto quando um grupo de amigos, do qual fiz parte, decidiu participar de uma noite de Carnaval no Recreativo central. Fomos de shorts brancos com camisa social branca, gravata borboleta e paletó preto. Teve até fotos na imprensa. E voltando ao tempo, os bailinhos da tarde de domingo e terça-feira no Ginásio Municipal Gualberto Moreira ficavam lotados. Vinham jovens e adultos de toda parte da cidade.

Era de graça a entrada e o salão adaptado na quadra de esportes recebia mais de mil foliões. A banda quando existia verba pública para contratar, tocava: “Mamãe eu quero” e “Cabeleira do Zezé”. Deixava todos os foliões enlouquecidos de tanto pular e cantar. As serpentinas voavam de lado a lado. Mas tudo era considerado como festa do Carnaval.

Recordo-me de ter assistido ao Carnaval nesse ginásio, que ficava a poucos metros de casa. Era um lugar bom de paquerar. Mas nunca deu certo com ninguém da turma de amigos. Pode até ter nascido ali muitos namoros e casamentos, mas, desconheço alguma história. Sei que no Clube Ipanema, Recreativo e Sorocaba Clube os bailes proporcionaram amizades e relacionamentos conjugais que perpetuam há décadas.

O Clube Estrada da rua Dr. Álvaro Soares reunia associados ferroviários empolgados pelo Carnaval. Os homens faziam sucesso nos bailes com as moças em busca de namoro. Os carnavalescos, empregados da Estrada de Ferro Sorocabana atraiam por seus empregos na ferrovia, muitas moças interessadas em se divertirem e conseguir um “bom partido”, segundo me contou um aposentado.

Ele mesmo conheceu a moça que viria a se tornar sua noiva e esposa. Já na rua da Penha, o Clube Independência tinha um público que frequentava seus bailes o ano inteiro. Mudava só o estilo de música de valsas e boleros para as marchinhas animadas como: “Me dá um dinheiro aí”. Também na rua Tereza Lopes, havia o Clube Fluminense. A sede ficava uns dois quilômetros de minha casa. E tinha o Clube Santana, com muita folia organizada pelo Álvaro Coelho.

No passar dos anos o Clube Ipanema e Clube de Campo Sorocaba se tornaram os mais procurados em bailes de Carnaval de Sorocaba. Resistiram ao tempo e não fecharam as suas portas, como muitos daqueles clubes da minha juventude que citei. Também hoje, os foliões de rua existem poucos em Sorocaba.

Os blocos que passam pelas ruas do bairro Campolim são formados em barzinhos e grupos de amigos. E as escolas de samba, por falta da verba, cada vez mais reduzem as suas apresentações na cidade. Hoje é terça-feira de Carnaval. Bancos e comércio com portas trancadas. Nas lojas abertas da rua 15 de Novembro e rua São Bento sobraram os artigos de plásticos para uso no Carnaval, como espirradores de água, martelinhos e outras quinquilharias sem nada a ver com aquele tempo do verdadeiro Carnaval do Brasil.

E nesta terça-feira, o apito do puxador de samba no Ipanema Clube bem que poderia dar o toque de um minuto de silêncio na ausência de um de seus mais atuantes carnavalescos e diretor da entidade, Alberto Batista Ferreira, o Lolô. Ele, a Aurita e família só perdiam o Carnaval de Sorocaba no Ipanema para estarem na avenida de Mongaguá.

O Lolô foi para o baile no andar de cima dia 14 de fevereiro e agora está junto de seu irmão gêmeo. Saudades, amigo Lolô! Como disse sua amada Aurita: “quase 55 anos de muito amor, companheirismo e cumplicidade. Nem mesmo o céu, nem as estrelas, nem mesmo o mar e o infinito, não é maior nem mais bonito, como é grande o meu amor por você”. O meu artigo do Carnaval de Sorocaba deste ano é dedicado a vocês.

Vanderlei Testa é jornalista e publicitário e escreve quinzenalmente no Jornal Cruzeiro do Sul, às terças-feiras, e aos sábados no www.facebook.com/artigosdovanderleitesta e www.blogvanderleitesta.com