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O Capitão que gostava de gente

19 de Janeiro de 2019 às 12:52

Crédito da ilustração: Vanessa Tenor

 

Gente simples, fazendo coisas pequenas, em

lugares pouco importantes, consegue mudanças

extraordinárias (Provérbio africano)

 

Edgard Steffen

Quando cheguei por aqui, os sorocabanos mais antigos referiam-se à praça Frei Baraúna como Jardim dos Bichos. O apelido pegou porque, de 1916 até os anos 30, aquele largo sediara precário zoológico. Em 1966, entre a ponte da 15 de Novembro e a praça Lions, funcionou o Jardim da Margem -- área de lazer que abrigava algumas espécies de aves e dois macacos. Esse projeto de zoológico durou cerca de um ano.

Em 1968, a Chácara Quinzinho de Barros, por desapropriação amigável, passou ao domínio da Prefeitura. O casarão colonial (1780) de taipa de pilão viria a abrigar o Museu Sorocabano enquanto o lago com faixa de mata atlântica ciliar, piscina (a 1ª de Sorocaba) e a área do entorno foram destinadas a implantação de um jardim zoológico. Este foi inaugurado aos 20 de outubro daquele ano.

Passados 50 anos, o Quinzinho tornou-se o 2º zoológico do Brasil em número de espécies. É referência em lazer, pesquisa, preservação e educação ambiental para a América Latina. Classificado com nota A pelo Ibama, é também reconhecido e apoiado por entidades nacionais e internacionais de grande peso científico. Por votação popular, tornou-se cartão-postal símbolo de Sorocaba.

Quinzinho de Barros empresta seu nome ao zoológico, escola, rua e edifício. Quem foi ele? Quinzinho era apelido do fazendeiro político (PRP) Capitão Joaquim Eugênio Monteiro de Barros. Casou-se (18/1/1896) com Hortência, filha única do Coronel José Ferreira Prestes. Com ela iniciou a Família Prestes de Barros. Dez filhos: Luciano (Lulico), Milburges (Buginha), José (Zezinho), Joaquim (Nenê), Hortencinha, Gregório, Emerenciano, Elizanias (Zanico), Aristheu e Hilário*.

Religioso, antes de casar-se estudou em Seminário Católico. Festeiro, rodeado de amigos, promovia bailes e confraternizações na sede da fazenda. Líder, era maçom Grau 18 da Loja Perseverança III. Atento aos problemas da população, fez do casarão hospital para acolhimento aos doentes da Gripe Espanhola (1918). Administrador, por duas vezes foi intendente de Sorocaba**. Iniciou o calçamento da cidade com paralelepípedos. Culto, expressava-se bem; talvez fluente em francês. Fazia questão que os filhos estudassem e os auxiliava nos deveres escolares. Buginha casou-se com Vicente Bella e mudou-se para São Paulo. Zezinho e Hortencinha cursaram magistério. Gregorio e Aristheu, contabilidade. Emerenciano era dentista. Zanico, farmacêutico. Lulico e Nenê preferiram continuar trabalhando com o pai na leiteria, olaria e exportação de laranjas.

O Capitão Quinzinho era paciencioso ouvinte. Gostava de gente. Foi grande incentivador da imigração espanhola em Sorocaba. Emitia “cartas de chamada” garantidoras de que o migrante pudesse deixar a Espanha, vir ao Brasil sem passar por semiescravidão nas fazendas de café. No regime de meação, cedeu terras para a produção de cebolas. Batizou muitos filhos de “ceboleiros”. Amava e era amado por eles. Ao fim do dia, deitado na rede do alpendre, ouvia prosas e queixas de seus protegidos. Grande parte das casas da Rua dos Morros foram construídas em lotes destacados de sua fazenda. O mesmo se diga do grande Bairro da Vila Hortência (homenagem a sua esposa).

Este 11 de janeiro marca o 84º aniversário de sua morte. Faleceu na residência de seu filho Gregório (São Paulo), para onde se deslocara para se tratar com os médicos da Faculdade de Medicina. Escorregou e bateu o flanco contra o braço da poltrona onde estivera sentado. O baço hipertrofiado pela maleita rompeu-se.

Em rápidas pinceladas tento mostrar personagem que fez a diferença em seu tempo. O Capitão -- patente da Guarda Nacional -- gostava da vida. Mas também gostava de gente. Deve ser lembrado. Mais por sua vida, que pelo empréstimo de seu nome a rua, edifício ou zoológico.

(*) Faleceu com poucas semanas de vida.

(**) De 1913 a 1914 e de 1921 a 1922.

Fontes:

Oliveira, S. C. - Os espanhóis - Editora TCM, 2002

Wikipedia - Acervos do Cruzeiro do Sul e Biblioteca Infantil de Sorocaba

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço - [email protected]

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