Buscar no Cruzeiro

Buscar

A diáspora da geração de 45

21 de Junho de 2019 às 00:01

João Alvarenga

Neste artigo, concluo a série sobre as três gerações modernistas, conforme havia prometido a um grupo de alunos do ensino médio, do colégio Bela Alvorada que, durante as aulas de literatura, demonstraram inquietação em discernir as principais características dos grupos de 22, 30 e 45. Aliás, assunto muito requisitado nos vestibulares.

Desse modo, como evidenciei, na última quinzena, os autores da 2ª geração se distanciaram, gradativamente, dos ideais da trupe de 22, cuja busca da identidade nacional era o cerne de quase toda a produção da 1ª geração. Hoje, abordarei o pessoal de 45.

[irp posts="122600" ]

 

Assim, é mister observar que, ao contrário da linha ideológica reinante em escritos antecedentes, com viés visivelmente marxista, que impregnava os romances de Graciliano Ramos e Jorge Amado, os textos da 3ª geração indicavam uma clara diáspora do embate entre capitalismo e socialismo. Então, se o grupo de Ramos era motivado pela crítica às mazelas do capital, a geração posterior, de certo modo, passou longe dessa questão emblemática, ao focar uma temática mais abrangente.

[irp posts="128219" ]

 

Nesse contexto, naturalmente, tal postura, no fundo, apontava para uma nova tendência dentro da literatura brasileira: uma visão universalista da problemática existencial do homem, na sociedade. Algo muito visível na prosa de Guimarães Rosa. Também, destaca-se, nesse ambiente, um enfoque intimista, com ênfase ao olhar feminino sobre a sociedade, a partir da prosa psicológica de Clarice Lispector.

De certo modo, esse cenário salienta que a dispersão se deu, principalmente, a partir da escolha dos temas, pelos autores, que voltaram sua atenção para situações do cotidiano, a fim de promover a “humanização” dos personagens dentro das narrativas, a partir da influência do escritor irlandês James Joyce, autor do festejado “Ulisses”. Um aspecto relevante: enquanto Guimarães focou o sertão mineiro, Clarice urbanizou a condição de mulher numa sociedade ríspida, cujos resquícios do patriarcalismo tentavam justificar a inócua cultura machista.

Sobre os escritos de Guimarães, destacam os críticos: embora tenha o sertão como referência, sua prosa se distancia, drasticamente, da estética de Graciliano, pois enquanto o autor alagoano descrevia uma paisagem ressequida e sem vida, Guimarães mostrava a exuberância das paisagens mineiras, com riqueza de flora e fauna, além de enaltecer a importância do Rio São Francisco, o “velho Chico”.

Temos, ainda, a poética de João Cabral de Melo Neto, que é tida como um caso à parte, pela forma como trabalhou a linguagem. Sua produção é apontada pelos teóricos com uma autêntica engenharia textual que -- por ser essencialmente descritiva e sensorial -- nega a tradição do lirismo na poesia, a fim de “materializar” o vocábulo no papel.

Tal empenho evidenciava a “coisificação da coisa”, ou seja, a palavra adquire substância, por isso, seus versos ignoram os adjetivos. Conceito este que ajudou na formulação da poesia concreta, movimento que reformulou o fazer poético, ao unir a palavra à imagem, com aspecto publicitário. Com isso, a poesia não deveria ser lida, apenas; mas contemplada.

Para finalizar, é importante destacar os fatos que marcaram a geração 45: fim da Segunda Guerra Mundial, divisão do mundo em dois blocos (capitalista e comunista), além de uma longa “Guerra Fria”, com frequentes ameaças de ataques nucleares. Evidentemente, todo esse contexto contribuiu para que os autores partissem para uma abordagem mais universal, sem, contudo, abandonar os problemas locais. Na próxima quinzena, o assunto será: os desafios da redação nota mil no Enem. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa “Nossa língua sem segredos”, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.