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Nos vestirmos de máscaras e nos despirmos de “máscaras”

15 de Abril de 2020 às 00:01

Sofia Coelho Moreira

O período de quarentena deixa bem claro o quanto no cotidiano consumimos coisas muito além do que realmente precisamos. Em tempos de dar passos para dentro de casa (quando digo casa me refiro ao ambiente físico, e também para o nosso eu interior) que “máscaras” despimos de nosso dia a dia de convívio social para conhecermos o que realmente somos?

Nunca foi tão didático como agora o fato de que ao cuidar de si, você está cuidando do todo. E para os que não podem ficar em casa, ou por estarem na linha de frente desse combate trabalhando no sistema de saúde ou na linha de munição dos suprimentos que realmente são necessários para nossa vida, um novo item “entrou na moda”, as máscaras. E mesmo quem está em casa, todos estão adquirindo ou fazendo sua própria máscara de tecido, útil para as rápidas saídas ao mercado, farmácia, banco ou outra necessidade. Máscaras reais, de tecido, que cumprem o fim prático de ser uma barreira física de proteção.

Mas e antes? Quando não era necessário usar máscaras, tão úteis agora no combate a disseminação da pandemia. Nós realmente saíamos sem “máscaras” para a vida em sociedade? E nessa indagação busco o sentido figurado de máscara, para me referir a hábitos e comportamentos bem reais. Muitos desses comportamentos e hábitos estão associados a consumo. Máscaras sociais funcionam como os papéis que desempenhamos em diferentes esferas da nossa vida. E quando nosso papel é ficar em casa? De repente muitas máscaras não fazem mais sentido.

Momento de rever hábitos e comportamentos. A palavra moda, do latim modus, designava “medida, ritmo”, e também “jeito, maneira”. Pensar em como nos relacionamos com o mundo a partir do que vestimos é um exercício que nos leva a várias reflexões. Quem fez nossas roupas? Do que são feitas nossas roupas? Precisamos tirar as “máscaras” que são vendidas a nós por meio de itens de desejo (felicidade, beleza, conforto, riqueza, status) que escondem suas reais histórias. Muita coisa que consumimos são carregadas de impactos sociais e ambientais.

O vírus é invisível aos nossos olhos, mas tem efeitos bem visíveis. As coisas que consumimos podem ter histórias invisíveis aos nossos olhos por uma “cegueira branca”, um ver sem querer enxergar, ou um ver sem notar, mas os impactos existem. E nossos guarda-roupas, tão parados na quarentena, guardam essas histórias.

Desde a tragédia do Rana Plaza, em Bangladesh em 2013, o Fashion Revolution une esforços por uma indústria da moda para que respeite aqueles que fazem parte da sua cadeia produtiva. Agora, em tempos de Covid-19, os trabalhadores têm sido o grupo mais vulnerável e que mais vêm sofrendo.

Entre os dias 20 a 26 de abril acontece a Semana Fashion Revolution, um evento global e este ano será totalmente online. O Fashion Revolution acredita no poder de transformação positiva da moda e tem como principais objetivos: conscientizar sobre os impactos socioambientais do setor, celebrar as pessoas por trás das roupas, incentivar a transparência e fomentar a sustentabilidade. Confira a programação completa no site: semanafashionrevolution.com.br/. Sorocaba estará presente nessa semana digital com bate-papos sobre consumo consciente e sobre ações coletivas. Afinal, a conscientização é o primeiro passo para que poderosas transformações sejam concretizadas.

Dentro da indústria da moda muitas iniciativas estão destinando sua força produtiva para fornecer uniformes hospitalares para profissionais de saúde. Localmente, surgem pequenos produtores de máscaras para proteção da sociedade no geral. Ações solidárias, campanhas, compaixão! É tempo de criarmos novos ritmos, novas maneiras de nos relacionarmos com a sociedade, com a economia e com o planeta. E talvez essas novas maneiras sejam na realidade a essência do ser humano, quando despidos das “máscaras” sociais desnecessárias.

Sofia Coelho Moreira, é representante do Fashion Revolution em Sorocaba, Engenheira Ambiental e Mestre em Ciências Ambientais pela UNESP-Sorocaba.