‘Noblesse de robe’ e suas decisões travestidas de políticas públicas
José Crespo
Muitos, talvez, não se lembrem da expressão “noblesse de robe”, usada no antigo regime anterior à Revolução Francesa de 1789. Mas é importante lembrarmos dessa “classe social” para entendermos um problema que tem afetado a máquina administrativa pública em todas as esferas, seja ela federal, estadual ou municipal. A tradução para o português da expressão “noblesse de robe” é nobreza togada. Essa expressão, na prática, nunca esteve tão presente nos dias atuais. Nos últimos anos temos visto uma ampla intervenção do Poder Judiciário na área de atuação dos Poderes Legislativo e Executivo. O que mais se vê é esse poder se manifestando de forma proativa na esfera política-administrativa, em ações e planos de governo.
Essas decisões, a maioria proferida por juízes singulares, têm interferido na implementação de políticas públicas que deveriam ser aplicadas em investimentos, obras e ações em diversas áreas em benefício da sociedade. Apesar de que boa parte dessas decisões são derrubadas pelos tribunais, a demora diante de recursos apresentados tem causado prejuízos financeiros e desnecessárias efervescências políticas em desfavor da cidade e do interesse público, aqui e em todo lugar. Para se ter ideia, o impacto atual aos cofres públicos de decisões em execução que a Prefeitura de Sorocaba tem gasto diante do chamado “fenômeno da judicialização” chega a R$ 100 milhões.
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em uma palestra proferida em agosto de 2016, foi taxativo ao afirmar que há no país o “fenômeno da judicialização da vida de maneira geral”. Para ele e para nós, o Poder Judiciário ganhou certo protagonismo a partir da passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico e da constitucionalização do direito, o que pode ser bom, mas também tem seus aspectos ruins.
Mais recentemente, um juiz de primeira instância proferiu uma liminar em que suspende a implantação em nossa cidade do Sistema Didático de Ensino do Sesi, referência inquestionável em educação. Tínhamos a convicção de que iríamos derrubar essa liminar no Tribunal de Justiça, como de fato aconteceu.
As equipes da Secretaria da Educação têm trabalhado arduamente na apresentação do Sistema Didático de Ensino do Sesi nas escolas da rede municipal de ensino em Sorocaba, por meio de reuniões com os professores em cada unidade, tendo em vista a meta de implantar o sistema no início de 2019. Importante destacar ainda que o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) não atende aos alunos de Pré 1 e Pré 2 da rede municipal. Isto significa que cerca de 14 mil crianças de 4 e 5 anos das nossas escolas já não receberiam nenhum livro gratuito do PNLD. Já o material do Sesi contempla a totalidade dos nossos alunos, desde o ensino infantil até o último ano do ensino fundamental 2. O material do Sesi atenderá todos os alunos da rede. Além dos livros, o Sistema do Sesi vem com formação continuada, presencial, para todos os diretores, vice-diretores, orientadores pedagógicos e professores de todas as nossas escolas. Esses e outros motivos fazem a Prefeitura de Sorocaba adotar o Sistema Didático de Ensino do Sesi para toda a rede municipal.
No final de novembro, a Justiça, com decisão também proferida por um juiz de primeira instância, suspendeu o chamamento público de Organizações Sociais (OSs) feito pela Secretaria Municipal de Educação, visando à Gestão Compartilhada para as unidades de educação infantil. E, nesta última quarta-feira, coube ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJSP), desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, derrubar a liminar.
As escolas enfrentam problemas devido à falta de renovação dos seus modelos de gestão, que esgotam e se tornam deficientes, não respondendo, assim, às novas situações exigidas pela sociedade. Em face disso, a gestão compartilhada aparece como forma abrangente e linear na condução do processo de gestão escolar, possibilitando assim, um trabalho alicerçado pelo direcionamento contextualizado e interativo conduzido de forma transdisciplinar. Em Sorocaba, a estimativa da nossa Secretaria de Educação, a partir da Gestão Compartilhada, é de zerar as filas nos próximos anos com instalações de excelência.
Até o final de 2019 teremos novas 24 creches em vários bairros do município. A contribuição que a Gestão Compartilhada trará ao cidadão sorocabano é uma questão indubitável, pois além de reduzirmos as filas, vários pontos da cidade serão atendidos e diversas crianças passarão a ter um ensino integral de qualidade com instalações adaptadas dentro de todas as normas exigidas.
Importante destacar que a Gestão Compartilhada e convênios com o terceiro setor existem há décadas, também em Sorocaba, por sinal muito bem-sucedidos, sem qualquer contestação judicial. Diversas cidades do país já adotam esse modelo. E, vou além, no que se refere ao campo do direito: o STF, instância máxima do Poder Judiciário, julgou recentemente favorável ao sistema de Gestão Compartilhada, inclusive na área da saúde.
Diante de um amplo contexto normativo, em especial pela interpretação do STF, o ensino e a saúde, apesar de serem deveres do Estado, podem ser desempenhados por particulares, pois não são atividades exclusivamente públicas. Ou seja, é um protagonismo conjunto do Estado e da Sociedade Civil.
Do protagonismo conjunto entre administração pública e sociedade civil, nasce o terceiro setor. A transferência de alguns serviços públicos, como saúde e educação, que é a gestão compartilhada, visa à gestão democrática de serviços de relevância pública e social e, ao mesmo tempo, tornar a administração pública mais eficiente e menos intervencionista.
Como o ex-ministro e ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, afirmou em certa ocasião: “O direito não se basta”. Indispensável que seja estabelecido um diálogo no intuito irremediável de conhecer e equacionar melhor os impactos de decisões judiciais travestidas de políticas públicas.
José Crespo é prefeito de Sorocaba.