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Não ao retrocesso e à impunidade

26 de Outubro de 2019 às 00:01

Guilherme Derrite, deputado federal. Crédito da foto: Divulgação (26/10/2019)

Guilherme Derrite

A prisão em segunda instância é essencial para a sociedade e para o combate à corrupção e à criminalidade

Onde há sociedade há Direito: “ubi societas, ibi jus”! O Direito Romano é muito sábio e resolve inúmeras questões contemporâneas. A ideia transmitida por este brocardo jurídico mostra-se muito pertinente para os dias atuais, sobretudo quando nos deparamos com a possibilidade de o STF rever o seu posicionamento até então consolidado e, assim, passar a impedir a prisão de um criminoso já condenado em segunda instância.

Neste ponto, urge bradarmos: o Direito não pode viver apartado da realidade, conforme, inclusive, bem argumentou o Ministro Luiz Fux,do STF, recentemente.

É a chamada Sociologia do Direito que demonstra a origem social desta ciência e que, portanto, estabelece que não é correto o estudo e, por conseguinte, a aplicação do Direito apenas em sua dimensão normativa. Temos que entender que o Direito deve ser também estudado em sua dimensão fática, pois, caso contrário, não haverá efetividade da ordem jurídica e, tampouco, a pacificação social pretendida.

Nessa linha, parece bem claro que a função de uma Suprema Corte é exatamente esta, desenvolver uma propositura descritiva e propositiva através de modelos que estejam mais adequados à realidade social. O Direito deve acompanhar a evolução da sociedade e sanar eventuais conflitos, garantindo, desta forma, uma melhor organização e, em última análise, a continuidade da vida em sociedade.

O Direito não advém de livros ou de mentes isoladas, mas sim da sociedade. As normas existem para satisfazer as imprescindíveis urgências da vida. Assim, bem nos ensinou um dos mais sábios juristas brasileiros, o Professor Antônio Luís Machado Neto, no século passado: “a relação existente entre o Direito e as urgências sociais, nada mais é do que a adequação da norma jurídica às necessidades advindas da evolução da sociedade”.

Pode parecer um discurso filosófico, mas estas ideias acima desenvolvidas retratam o momento em que vivemos. O Direito não pode ser aplicado dissociado da realidade! Recentemente, vivenciamos no Brasil o maior episódio de corrupção estrutural e institucionalizada que o planeta já teve notícia em sua história. E só estamos superando este verdadeiro caos por conta da diminuição da sensação de impunidade e da real efetivação das penas, o que só ocorreu porque o STF compreendeu a real necessidade da sociedade.

Ocorre que, entretanto, nos últimos dias estamos presenciando um novo julgamento realizado pela nossa Suprema Corte, no qual se discute se a fundamental e recente decisão de autorizar a prisão de criminosos condenados após a análise do caso concreto pela segunda instância, e que nos tirou do caos causado pela corrupção, deve ser revista.

Mas, neste momento, mais do que argumentos exclusivamente jurídicos, a pergunta que não pode se calar é a seguinte: a sociedade brasileira realmente mudou a ponto de ser necessário rever este posicionamento? Já estamos mesmo livres da corrupção e da criminalidade que nos colocou à beira do abismo?

A resposta é bastante óbvia. Com a mais absoluta vênia à posição da OAB, dos Ministros do STF, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que já se posicionaram sobre o tema, bem como de todos os estudiosos que defendem a proibição da prisão de um criminoso condenado em segunda instância, devo posicionar-me, assim como a maior parte da população brasileira, totalmente a favor do início do cumprimento de uma pena após a ratificação da sentença por um Tribunal.

Este é o clamor da sociedade de bem, pois o excesso de recursos previstos na nossa legislação é algo que deve ser repensado. Mas, enquanto não se altera a legislação, há de se concluir que possibilitar o início do cumprimento da pena após a revisão de um colegiado em nada viola o direito individual de recorrer (e de continuar recorrendo) de um criminoso condenado.

Impedir o cumprimento de sanções penais após a sua ratificação por um Tribunal é um retrocesso e que só favorece criminosos e corruptos de elevadíssima periculosidade. Obrigar que todo e qualquer processo penal seja revisado por um Tribunal Superior para que efetivamente se faça a Justiça é um erro que poucos países cometem, e que, para o bem da nossa Pátria, o Brasil não pode voltar a cometer.

Nós éramos um destes poucos países que somente efetivavam uma condenação de um delinquente após a sentença final de um Tribunal Superior, e isso se mostrou um grande problema. A nossa Suprema Corte tornou-se a mais sobrecarregada do mundo e a sensação de impunidade e de injustiça sobrepujaram: não existe país civilizado que tenha um STF que julgue tantos processos como o Brasil.

E tal fato traz consequências absolutamente nefastas para a sociedade: a demora na efetivação da Justiça é sinônimo de impunidade, a qual, por sua vez, impulsiona o cometimento de novos crimes e, inclusive, a continuidade da corrupção sistêmica que quase acabou com a nossa Nação.

Portanto, sinto-me obrigado a repetir: obrigar a atuação do STF em todos os processos criminais do país é o mesmo que garantir a impunidade de criminosos e que incentivar a corrupção. O Direito deve ser o retrato da sociedade em movimento, a qual, atualmente, clama pelo fim da impunidade e pela retomada da moralidade e pelo fim da corrupção.

E, para finalizar, faço minhas as doutas palavras recentemente proferidas pelo Ministro Edson Fachin, do STF, o qual se mostrou atento às reais e atuais necessidades do povo brasileiro e sabiamente votou a favor da prisão de condenados em segunda instância: “o acusado, durante o processo, deve gozar de todas as garantias de liberdade plenas, mas é inviável que toda e qualquer prisão só possa ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso da última Corte tenha sido examinado”, pois isso é sinônimo de injustiça e de aquiescência com o espúrio.

Guilherme Derrite é deputado federal, capitão da Polícia Militar e bacharel em Direito e em Ciências Policiais