Namorados como Rosa e Ferrucio
Crédito da foto: Vanderlei Testa
Vanderlei Testa
Casais de namorados. Carpe diem é uma expressão em latim que significa “aproveite o dia”. Essa é a tradução literal, e não significa aproveitar um dia específico, mas tem o sentido de aproveitar ao máximo o agora, apreciar o presente. Essa definição o leitor encontra em qualquer lugar do mundo. Tenho pensado nela desde 16 de março de 2020 quando sai do escritório que trabalho e fechei as portas. Desde então, em quarentena, busco entender e aproveitar o dia. Fui sentar em um banco defronte a um lago numa manhã ensolarada do dia 26 de maio. Fiquei pensando como tenho aproveitado meus dias de isolamento social. Dou uma olhada nas redes sociais para ler como as pessoas usam o seu tempo. Encontrei valores éticos e morais em citações construtivas. Li uma carta publicada pelo papa Francisco sobre o 54º Dia Mundial das Comunicações Sociais comemorado em 24 de maio. Teve como foco o tema “Para que contes aos teus filhos e aos teus netos”. “A vida se faz história”.
Pensei em dezenas de pais e avós que conheço para achar o homenageado neste artigo. Um exemplo aos filhos e netos. Depois de refletir em cada pessoa da minha listinha mental, decidi com o notebook sobre as pernas, (assim que escrevo os artigos) a dedilhar este texto buscando no fundo do coração cada palavra. A Rosa Modolo e Ferrucio Macari são italianos. Eles nasceram em 1885 na região de Padova, terra de Santo Antônio. Quando estive lá imaginei os dois jovens naqueles vilarejos em suas plantações com os pais e familiares. A emoção de saber que naquela época do ano por volta de 1900, sem estrutura de saúde ou tecnologia, Rosa e Ferrucio eram felizes. Simples colonos seguindo o destino reservado a eles. Pensei no “carpe diem” da mocinha Modolo e do mocinho Macari em seus 16 anos de vida. Em meio à colheita de uvas, aproveitando o dia de trabalho, conversaram de namorar e casar. Criar uma família naquelas terras abençoada pelo padroeiro Santo Antônio de Padova como observei andando naquelas vilas. Mas, a imigração italiana para o Brasil estava sendo motivada devido à precariedade de sobrevivência humana na Itália e à possível promessa de terras brasileiras. Sem imaginar o que seria essa aventura o jovem casal aproveitou o dia para rezar ao Antônio milagroso e criar coragem na decisão. Tempos depois, no navio vapor “San Martino”, lotado de desbravadores, aportaram em Santos. Rosa e Ferrucio tinham duas malas com algumas roupas e mais nada. Levados de trem até a capital São Paulo eram alocados com outras centenas de famílias num casarão do governo paulista. Perdidos em pensamentos, só restava a expectativa do que seria a vida neste país distante. Preocupações, medo, insegurança do desconhecido. E na lista das cidades que aceitavam imigrantes italianos, surgiu nas palavras do agente da imigração: “Piracicaba”. “Senhores imigrantes”! “Há uma cidade que aceita trabalhadores para as suas plantações de cana de açúcar”. “Oferecem moradia e um salário de paga pela produção de cortar a cana”. Esse dia histórico foi aproveitado para Rosa e Ferrucio como o início de uma nova vida.
Chegaram à fazenda Campestre e, num casebre de quarto e cozinha, sem nenhum móvel para morar, eles se ajeitaram. Ali passaram anos e, com muito trabalho na roça dos canaviais, transformaram o sonho à realidade. A amizade com os colonos e a partilha de alimentos garantia a alimentação. Nas horas livres vendiam peixes. Com o pagamento recebido da usina compraram a cama, o armário e os apetrechos da cozinha. O fogão de lenha aquecia na madrugada fria o bule de café. Ia ser levado para beberem junto com o pão assado sob a lenha no almoço das 10 horas da manhã no chão do canavial. Mas eram felizes. Rosa ficou grávida do primeiro filho. Foram nove filhos que vieram em sua vida. Saíram da colônia e mudaram para a cidade de Piracicaba. Agora tinham uma casa maior e trabalho no comércio. O progresso, no entanto, exigia para a manutenção daquela prole um aproveitar os dias com maior intensidade. Muitos bebês e, em suas necessidades, nos mais velhos e nos mais novos, a dedicação de pais amorosos. Entre os filhos de Rosa e Ferrucio estava uma menina que colocaram o nome de Carmelina. Talvez por gostarem de Nossa Senhora do Carmelo, essa mocinha de cabelos encaracolados pretos e olhos brilhantes passou a ser chamada de Carmela. Com seus irmãos Antônio, Luiz, Fortunato e irmãs, Ana, Carolina, Etelvina, Maria, Páscoa, a Carmela fortalecia sua fé e desejo de estar casada com um homem bondoso. Encontrou o Ernesto. Tinha ido servir o exército com 18 anos no Estado do Mato Grosso. Retornou depois de um ano. Eles casaram na igreja da Vila Resende, em Piracicaba. Como afirmei, a vida se faz história. E fez! Aqueles sonhadores lavradores italianos, agora com filhos e netos tiveram muitas histórias pra contar. Como filho da Carmela e Ernesto, visitei até os meus nove anos de idade os meus avós. A avó Rosa, franzina na sua debilidade física era uma santinha viva de amor. A seu lado o avô Ferrucio com o seu corpão italiano transmitia segurança e paz. E neste “carpe diem” ou aproveitar o dia, tenho certeza absoluta pela fé, que algum dia vou estar junto aos meus pais e avós novamente, ouvindo suas histórias. Aos pais e avós, netos e bisnetos, hoje é um dia a ser aproveitado com gestos de gratidão pelo dom da vida. Se não fosse aquele dia em que os adolescentes Ferrucio e Rosa conversavam e sonhavam em casar e imigrar ao Brasil, não teria acontecido o nascimento da minha mãe Carmela, o seu casamento e a sua gestação que me fez nascer e escrever esta história na semana do Dia dos Namorados.
Vanderlei Testa, jornalista e publicitário, escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.facebook.com/artigosdovanderleitesta