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Minitratado geral dos chatos

04 de Maio de 2019 às 00:01

José Feliciano

Chato, um sujeito que não lhe faz companhia e não vai embora.

Ulisses Guimarães

Segundo a escritora Ana Beatriz Barbosa Silva (“Mentes perigosas” -- pág. 50), entre 1 e 3% das pessoas podem ser psicopatas. Se considerarmos 1 milhão de pessoas, teremos entre 1.000 e 3.000 potenciais psicopatas nas ruas. No caso dos chatos, que não existe na literatura oficial -- porque deve ser chato entrevistar um chato ou definir o que é um chato embora todos nós saibamos o que é um -- esse percentual deve estar entre 10 e 30%, num cálculo otimista, algo ameaçador entre 100.000 e 300.000 chatos por milhão. Claro que, dependendo do chato, terá melhor sorte quem cruzar com um psicopata, pois com este último você pode ser morto rapidamente; já um chato o deixará agonizando por muito tempo.

No livro “Tratado geral dos chatos” (Guilherme Figueiredo,1962) há alguns exemplos de chatos: pessoa que não para de falar e comentar qualquer coisa. Invade a privacidade do outro, faz brincadeiras sem graça, conta piadas em horas impróprias. “Se” autoconvida para passeios. Liga constantemente ou manda mensagens o tempo todo. Quer ser intelectual e fala de coisas sobre o céu, a terra e o mar, mostrando um conhecimento primata do assunto -- e não importa o assunto -- a palavra final é dele. Nunca aceita ser contrariado, por isso discute bastante. Pegajoso, é do tipo que, quando chega, as pessoas dizem: lá vem ele.

Há um chato que não está naquele livro, mas está nas imediações. Aquele que só conhece um assunto e sempre vai forçar a conversa para a única coisa que sabe e começar a falar sem parar, o que provoca nos desavisados a impressão de um sujeito inteligente ou um gênio falando horas sobre o cultivo de bodes mansos de gaiola, por exemplo. O chato não quer ensinar, quer ser notado.

Os chatos costumam ser facilmente identificáveis, pois geralmente se sentam sozinhos numa mesa para quatro. Nessas horas todo mundo se lembra de um compromisso para escapar:

-- Puxa, desculpe, esqueci meus óculos na estação.

-- Mas nós estamos num barco no meio do oceano!

-- É mesmo? Rapidinho vou nadando até o continente buscar e já volto, com licença.

Mais grave que isso é estar ao lado de um chato num voo transcontinental:

-- Aeromoça! Por favor, posso trocar de lugar com aquele sujeito ali?

-- Mas por que, aquele homem é um terrorista armado?

-- Estou do lado de um chato.

-- Tudo bem, pode trocar.

O chato é inconveniente: -- Você engordou? Cadê o cabelo? Ainda no mesmo emprego? Trocou de carro? Se alguém o convidar para sentar numa mesa ao lado de um chato(a), proteste, afinal tortura é crime inafiançável

Nunca! Jamais! diz a sabedoria popular, pergunte ao chato como ele vai, senão ele explica e desde o começo e você pode desistir de ir ao batizado do seu neto que nem nasceu ainda, porque ele começará dizendo:

-- No começo tudo era trevas, então Deus fez o céu....

Segundo a neurocientista Suzana Herculano -- da UFRJ --, “a chatice é uma crise de mania... ela (a pessoa chata) não sabe que está sendo desagradável, pois o cérebro produz a sensação de que aquilo é legal”, por isso o chato repete dez vezes a mesma piada sem graça e o pior, só ele ri. O chato é aquele que quando você não presta atenção nele, ele fica cutucando seu braço, batendo no seu ombro, puxando a sua camisa até ter sua atenção. Normalmente quando vemos a tempo um chato numa festa disfarçamos:

-- Valdemar?

-- É... É sou eu...

-- Não tá me conhecendo? Luís! Da escola! Por que você estava com a cara enfiada na sopeira?

-- Na sopeira!? Ah! é bom, tem pepino amacia a pele.

-- Pensei que você estava evitando falar comigo.

-- Imagine.

-- Afinal somos amigos. Vou te fazer uma visita. Onde você está morando?

-- Longe.

Os chatos têm poderes extraordinários. Eles conseguem que percamos a audição subitamente, basta um chato nos chamar para ficarmos surdos. Outra capacidade dos chatos é de provocar mudança no curso das coisas, é só perceber um chato vindo na nossa direção para mudarmos de calçada, de rua, do andaime ou pular num contêiner de lixo.

Os chatos adoram mostrar e detalhar várias vezes as cinco mil fotos da última viagem que fizeram e quando pedem o microfone para dizer umas palavrinhas, muita gente arruma o travesseiro, outro pegam um lenço para limpar baba e a maioria reza para que as tragédias previstas pelo desequilíbrio do planeta aconteçam naquele instante.

Há muitas formas de se livrar de um chato: a melhor e a mais eficaz é contratando um matador de aluguel, mas atualmente a concorrência anda muito alta entre políticos do Rio de Janeiro e esses profissionais estão em falta na praça. Tente o Google. Se alguém normal permanecer muito tempo ao lado de um chato, desconfie:

-- Com licença, meu senhor, mas está na hora do seu amigo ir.

-- Como está na hora do meu amigo ir!? Acabamos de nos conhecer e estamos há duas horas no maior papo! Por acaso vão fechar o bar, é isso?

-- Senhor, primeiro aqui não é um bar, é um velório e o seu amigo é o falecido.

-- Eu o achei meio caladão mesmo. E o resto da família?

-- Preferiu ir velar outro defunto quando o senhor chegou. Com licença.

-- Tchau, amigo, ligo para você mais tarde!

Não se iluda se você ainda não encontrou um chato, creia, ele vai encontrar você.

José Feliciano -- Redator de humor e mistério -- Médico sem chatices.