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Meu bairro era assim

03 de Novembro de 2020 às 00:01

Meu bairro era assim

Vanderlei Testa

Descobri através do Reinaldo Camargo que há um livro com título “Meu bairro era assim”, do autor Celso Detogni. Ele que é escritor, professor, poeta, decidiu como morador da Vila Santana, em Sorocaba, escrever e inserir dezenas de fotos na sua obra, já na quarta edição.

Morador da rua Guanabara, 189, endereço para quem deseja adquirir um exemplar, me recebeu no seu portão para mantermos as medidas de segurança da pandemia.

Os seus 80 anos de idade repletos de lembranças desde a sua infância, o motivou a buscar com os antigos moradores os destaques de cada página que escreveu.

Celso começou a sua obra relatando que aos sete anos de idade, em 1947, foi incentivado pelas professoras Elisa e Iolanda, do Grupo Escolar de Santa Rosália, na época pertencente a Cia Nacional de Estamparia, para ter o hábito de escrever.

O que aparecia nas suas mãozinhas como livrinhos de história iluminava os seus olhos à leitura. Essa inspiração das mestras dos bancos escolares o levou na faculdade a manter o espírito de pesquisa e escritos

sobre assuntos dos mais diversos.

E em 2010, aos 70 anos de idade, Celso Detogni após se aposentar, decidiu levar adiante a sua ideia do livro sobre o bairro em que nasceu.

Neste artigo ressaltarei alguns fatos curiosos que li, já que desconhecia as riquezas dos moradores e das ruas do Além Linha ou Bairro dos Ferroviários.

Quando o Celso nasceu em 1940, toda a casa era cercada de arame farpado nas laterais e no fundo, protegia a horta cuidada pelo seu avô Pedro. Havia ali cenoura, rabanete, salsa, verduras e um pomar com plantações de uva, laranja e mexericas. Isso tudo sem que faltasse o cavalo e a carroça com a cocheira.

Um dos fatos pitorescos é a ausência de água encanada nas casas e o uso de banheiro no quintal. O uso do “pinico”, que as novas gerações desconhecem, servia com a bacia para o uso das necessidades de higiene e de sanitário.

As latas de banha de porco usada para temperar a comida, quando vazias, eram as caixas d’água para manter a limpeza dos pratos e panelas.

Nas memórias da infância e juventude do Celso, a rua Aparecida surge com a farmácia Santo Antonio, do Antonio Teixeira. O Joaquim sapateiro era o mais procurado da vizinhança da sua casa.

Ele fabricava e consertava calçados. Um de seus filhos, Eliseu foi um jogador de futebol muito conhecido em Sorocaba. Um sobradinho na rua Aparecida com a esquina da rua Frei Galvão foi marcante para o Celso, pois morava nesse prédio a sua professora dona Iolanda, relata no livro.

Em frente da atual Ofebas, havia uma área enorme com barranco e um casarão da família Neves. Outra casa era dos alemães Stadler. Ao lado, a fábrica de embutidos, salsichas e mortadelas que os Stadler produziam com a experiência germânica.

Fausto Pereira, também vizinho, deixou o seu depoimento no livro, como morador da casa onde hoje há um restaurante italiano. Ele cita os seus vizinhos: na parte de baixo, o tio Titino e na parte de cima Camilo Julio e Chico Neves, pai dos meus amigos Célia e Marcos Neves, da Ortomed.

Fausto também se recorda das chácaras pertencentes ao seu avô Manoel Soares Leitão e o tio Ferreira, ocupando grande área da rua Aparecida até a divisa com a vila de Santa Rosália.

A tradicional família Perella ganhou destaque nas páginas do livro com suas gerações de descendentes que foram empreendedores em comércios na Vila Santana.

Destaco a citação do açougue do Ângelo Tripeiro. Ele vendia fígados e buchos com a sua charrete, parando às vezes no campinho do Gentil pra ver a molecada jogar futebol no chão batido. Na verdade só havia as traves.

Na rua das Cabras, hoje rua Júlio Ribeiro, morava o Carlito sapateiro, cita o Celso. Ele fundou um cordão carnavalesco com a experiência dos blocos da cidade de Tatuí.

Nessa rua tinha a dona Bernarda benzedeira. O povo ia lá solicitar as suas orações. Foi uma figura folclórica no bairro. Tinha os cabelos cacheados e usava um chapéu de palha, tocava triângulo, instrumento nordestino. O Clube Santana e o Baile das Rosas ficarão para sempre na história do bairro.

Nomes como Álvaro Coelho devem ser lembrados eternamente, diz um depoimento de Maria Eliete Crispim, que frequentava os bailes e eventos desde a fundação do clube.

Guerino Sabbadin, ferroviário e sapateiro, morou 93 anos na rua Borba Gato,115. Seu filho Odival o homenageou na rede social com uma foto do seu macacão que permanece pendurado na sua casa.

O Pastifício Campanini como fábrica de macarrão do Amadeu e Cristiano Campanini e sua história está nas páginas do livro. Sem esquecer-se da história da Igreja de Santa Rita de Cássia, um ícone do bairro.

Amigo de longa data de Celso Detogni, o saudoso José Gonçalves dos Santos, conhecido como “Nego”, mereceu um poema especial do autor. Diz o poema:

“Veio ao mundo como José. Pra jamais perder sua fé e cumprir esta missão. Ajudar a todos, sem exceção. A isso tudo trabalhou. Por tantas agruras ele passou. Seguir em frente, não esmorecer. Tarefa árdua, há muito por fazer. Ferroviário, aceitou logo este mister. Na Estrada de Ferro Sorocabana, profissão que todo mundo quer. Ali estudou, angariou conhecimento. Pra ajudar, não importa o momento. Muito família, foi sempre pai presente. Teve perdas/ganhos, mas, de modo consciente. Perambulou pela vida, fazendo caridade. Sem mensurar, pois era despedido da vaidade. Como “obreiro-livre” achou o que queria. Que ampliou a sua tarefa, todo mundo já sabia. Fez muitos amigos por sua benemerência. Que isso fique registrado nos anais da ciência. Recebi muita ajuda dele -- não pude agradecer. E o faço agora, na plenitude do meu ser. Foi pra outra dimensão, momento tão cruel. Vai continuar sua obra, mas agora, lá no céu!”

Vanderlei Testa é jornalista e publicitário. Escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.blogvanderleitesta.com e www.facebook.com/artigosdovanderleitesta