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Meditações sobre a Velhice

26 de Janeiro de 2019 às 16:06

Ilustração: Vanessa Tenor

Edgard Steffen

Carpe diem quia tempus fugit

(Curta os dias porque o tempo foge)

Muitos acreditam que só mais velhos irão conquistar a liberdade e a sabedoria para aproveitar melhor o tempo... (Mirian Goldenberg Antropóloga). A autora dessa frase tem seus textos bombando no pedaço. Por pedaço entendam tanto jornais impressos como palestras que profere e as redes sociais.

Num de seus artigos, relata resultado da pesquisa realizada com homens e mulheres entre 40 e 65 anos. Perguntou “O que você quer ser e fazer quando envelhecer?”. As 10 respostas mais frequentes incluíram: ter mais tempo para cuidados próprios, voltar a estudar, incorporar nova atividade, viajar, curtir mais os próximos mais próximos, aumentar a atividade física, ler mais ou ir mais vezes a cinema e teatro, reformar e redecorar a casa, simplificar a vida guardando só o que se usa ou gosta.

A conclusão é obvia. Todo mundo deseja coisas que poderiam ter em qualquer fase da vida. Por que então esperar envelhecer? pergunta a antropóloga.

A resposta talvez seja -- Ao não deixar para amanhã o que você pode fazer depois de amanhã, o homem tenta enganar o tempo postergando metas. Nietzsche já dizia “Quem alcança um ideal, o ultrapassa.”

Desde que enxergamos a luz deste mundo, luta surda porém contínua se estabelece entre a vontade de crescer e o medo de chegar ao fim. A medida que nos afastamos do marco zero, vamos adquirindo habilidades que nos empoderam e nos libertam de amarras. Cada etapa vencida pressupõe perda. A criança que adquire massa corpórea e aprende a andar perde o colo da mãe. A que aprende a ler perde a delícia de ouvir alguma figura querida contar histórias especialmente para ela. Os que atingem a adolescência começam a entender o mundo de modo diferente do que lhes foi ensinado. Tal entendimento abre trincheiras entre a nova e a velha geração. A iconoclastia própria da idade solapa modelos familiais, ainda que permaneça o respeito mútuo. O grupo, galera, patota -- seja lá o nome que recebem -- são mais ouvidos e imitados que pais e mestres. Quem atinge a adultícia ganha a liberdade de pensar, agir e construir seus próprios valores, a custa de responder por eles e seus efeitos sobre a comunidade. Casado/a, ganha companheira/o, constitui família, mas tem que sustentá-la com seu trabalho, ao custo da supressão de alguns lazeres e liberdade pessoal. A velhice vai lhes trazer sabedoria, ao mesmo tempo da perda em vigor físico e agilidade mental. Aposentadoria traz o merecido descanso associado à perda do poder aquisitivo. O envelhecimento dos tecidos e das articulações, mesmo sem doença, roubam-lhe velocidade nos movimentos ou na percepção e raciocínio. A idade avançada com qualidade de vida traz a alegria da sobrevivência associada à saudade dos entes queridos que partiram.

No Livro de Eclesiastes* aparece o Carpe Diem (aproveitar a vida) e o alerta para a existência de um tempo certo para tudo. Nascer/morrer. Plantar/colher. Rir/chorar. Abraçar/afastar. Guerra/paz. Ah! Esse tempo fugidio parece correr lento para os jovens. Parece voar para os idosos. Por isso, a vantagem em crer num Ser -- acima de tudo e de todos. Crer não depende de raciocínio. Pura fé. Ajuda o imperfeito Homo sapiens a orar como Moisés. No Salmo 90:12, pediu ao Eterno que nos ensinasse a contar os dias de tal maneira a alcançar corações sábios.

(*) Atribuído a Salomão

*Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço - [email protected]

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