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Confira o artigo 'Matutações e solilóquio', de Edgard Steffen

23 de Março de 2019 às 00:01

Matutações e solilóquio Crédito da foto: Vanessa Tenor

Edgard Steffen

Não matarás.

(Êxodo 20:13)

Imponderável, inconcebível, intolerável e irracional a endemia de chacinas. Sejam as executadas por jovens contaminados pelas sinistras profundezas da rede internética, ou as produzidas por adultos crédulos em supremacia racial. A falida tese do poder branco foi enterrada pela vitória aliada na 2ª Grande Guerra (1945). Concordo com a Primeira-Ministra da Nova Zelândia. Jacinda Ardern não pronuncia o nome do atirador nem permite reprodução de seu manifesto. Se os terroristas querem notoriedade, estejam vivos ou mortos, sejam tratados com a divulgação de suas atrocidades, mas ignorem seus nomes e ideias.

O mundo dos bits, bytes, sites, twiters, etc surpreende pela velocidade com que se chega a tudo. Pelo WhatsApp você pode conversar, instantaneamente, com pessoas espalhadas pelo mundo. Pode até vê-las na telinha de seu celular. Redes sociais elegem legisladores e governantes, e conseguem até mudar o perfil sociopolítico do Poder. Tudo espetacular não fosse o lixo moral que -- ao criar normalidades onde existe o execrável -- impregna gerações de menores e jovens.

Roqueiro em temporada no Brasil, entre um show e outro, descansa disputando jogos eletrônicos pornográficos ou com brinquedos adquiridos em sex-shops. Em destaque num jornal de alta circulação, descreve com todas as letras, um desses artefatos.

Quando adquiri meu primeiro computador -- o pré-histórico um meia qualquer coisa -- grande foi minha dificuldade em manobrar os periféricos. Habituado a catar milho na Facit mecânica de meu consultório, tamborilava o teclado do PC como se fosse pianista e a partitura indicasse fortíssimo. O mouse, então, nem se fala. Apertava a tecla direita quando a indicação era a esquerda e vice-versa. Meu orientador instalou jogos eletrônicos para que eu treinasse movimentos. Lembro-me do game Wolf 3D. Agente secreto, armado de simples pistola, invadia labiríntico bunker nazista. A vitória era chegar ao alojamento do chefão e eliminá-lo. À medida que matava os inimigos, adquiria armas mais poderosas e avançava em direção ao esconderijo do führer. O jogo ajudou-me no manejo do mouse e do teclado, embora não me lembre ter vencido alguma partida.

Hoje conjecturo. Aquele inocente jogo banaliza armas e assassinatos sob o disfarce da luta do Bem contra o Mal. O lazer eletrônico, subliminarmente, detona o 5º (ou 6º?) mandamento.

Passados mais de 20 anos, continuo usando o computador como se fosse versão aperfeiçoada de minha aposentada máquina de escrever. O PC também funciona como memória instantânea de eventos perdidos no tempo e fonte de seleções musicais segundo minhas preferências. Fora disso, continuo analfabeto funcional em informática. Uso meu celular como se fosse telefone fixo. Apenas chamar e receber chamadas. Talvez isso me ponha a salvo das fake news.

Presidente, entusiasmado pela conquista, dispara disparates que depois precisa consertar e comete erros de concordância que não têm conserto. Ex-mandatário, é preso e conduzido ao aeroporto de onde, poucos meses antes, decolava com toda pompa e circunstância. Outro, condenado por corrupção, luta para que o reconheçam preso político.

A instantaneidade do on-line nem dá tempo para que se analise e pondere da justiça ou injustiça. Foi-se o tempo do Brasil prender somente pobre, preto e prostituta. Os últimos acontecimentos mostram que os três pês mudaram para Presidentes Pegadores de Propina e Prevaricadores Pagadores de Propina.

Pobre País. Precisa, mas posterga, por procrastinações políticas, o progresso pátrio.

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve para o Cruzeiro do Sul - [email protected]