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Mais do que reciclar, é preciso reduzir a geração de resíduos sólidos

24 de Dezembro de 2020 às 18:26

Crédito da foto: Emídio Marques

Gustavo Fanaya

Já parou para pensar na quantidade de lixo reciclável que você e sua família produzem mensalmente? Anualmente? Ao longo de suas vidas? Vocês certamente se surpreenderiam... Com a pandemia, o volume de lixo doméstico cresceu mais de 15%, segundo estimativa da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). A destinação final de todo esse material está entre as principais preocupações quando falamos em sustentabilidade. Segundo o Relatório Abrelpe, em 2019, mais de 29 milhões (40,5% do total) de toneladas de resíduos sólidos urbanos foram destinados inadequadamente no meio ambiente.

O estímulo à reciclagem é uma das principais soluções apontadas para a resolução do problema. Dessa forma, é possível fazer com que resíduos descartados pelos consumidores possam voltar à cadeia produtiva como matéria-prima, no processo que conhecemos como logística reversa, um importante elemento da chamada Economia Circular. Mas, além de investir em reciclagem, é preciso pensar no assunto de maneira mais ampla. Um dos principais desafios em relação à gestão de resíduos não trata apenas de reciclar, mas de reaproveitar e de reduzir o volume de lixo. E de uma forma em que todos, sem exceção, participem do processo, seguindo os princípios da responsabilidade compartilhada, previsto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), vigente desde 2010.

Para a sociedade de consumo de massa as embalagens dos produtos são um importante instrumento de marketing, agregando valor aos produtos e alavancando as vendas por impulso. Vencer a disputa pela atenção do público nas prateleiras é um imperativo para qualquer empresa sobreviver e crescer em mercados competitivos. Além disso, as embalagens devem garantir a integridade de seus conteúdos.

Cerca de 80% do lixo doméstico é composto por material reciclável, em sua maioria embalagens pós-consumo, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. Apenas o plástico, um dos mais comuns tipos de embalagens, representa 13,5% do total de resíduos sólidos gerados no País (mais de 10,5 milhões de toneladas). Porém, as embalagens e pacotes de papel e papelão multiplicaram-se com a pandemia em decorrência da explosão das compras por e-commerce e dellivery. Alguns exageros são tão recorrentes que passaram a ser padrão, como a utilização de embalagens duplas ou desproporcionais ao tamanho do produto, criadas exatamente para passar a ilusão de que o conteúdo é muito maior.

O problema disso tudo é que não há lugar no nosso planeta para depositar tanto volume de material descartado e a natureza demandaria décadas ou mesmo séculos para dar conta de desintegrá-lo. É preciso achar meios de reduzir, reutilizar, reciclar ou recuperar esses materiais. Para isso, são necessárias ações positivas não apenas por parte das indústrias usuárias, mas também por fabricantes de embalagens, atacadistas, varejistas, distribuidores, importadores, recicladores, operadores logísticos, parlamentos, órgãos reguladores e fiscalizadores e, acima de tudo, consumidores.

As estratégias de marketing precisam ser repensadas. Operações locais consorciadas para embalagens retornáveis precisam ser estruturadas. É um desperdício inconcebível somente utilizar-se qualquer embalagem de vidro uma única vez.

Cresce cada dia mais o número de estabelecimentos especializados na venda a granel de produtos. Também se amplia a utilização de embalagens biodegradáveis. A Europa foi mais longe e aprovou o fim do uso do plástico descartável, de uso único. O movimento, porém, ainda é muito tímido por aqui. Em São Paulo, já houve a cobrança por sacolas plásticas em supermercados. É preciso que toda a cadeia logística de distribuição e varejo pense em novos formatos. Oferecer descontos, condições especiais e incentivos também são válidos.

Outra opção que muitos brasileiros devem ter na memória são as garrafas de vidro retornáveis (os famigerados “cascos”, transportados em engradados), formato que imperava na venda de refrigerantes e cervejas até os anos 90. Dava muito trabalho para todo mundo, fabricantes, comerciantes e consumidores, mas não se via garrafas PET boiando em rios e mares. Éramos sustentáveis e nem sabíamos disso. Adotava-se um vasilhame padrão, que era reutilizado mais de 20 vezes por diferentes empresas engarrafadoras. Mas um dia, para alegria e facilidade geral, surgiram as inigualáveis garrafas PET descartáveis. O efeito todo mundo conhece.

Muitos filmes antigos mostram a pitoresca cena do entregador deixando garrafas de vidro cheias de leite fresco bem cedo na soleira das portas dos clientes. E levando as vazias. As atualmente dominantes embalagens de leite longa vida são mais fáceis de transportar e muito eficientes para garantir a integridade do produto, porém são complexas e de difícil reciclagem.

Segundo estimativa da Coca-Cola, o custo final de uma garrafa retornável é cerca de 30% menor que o custo de uma garrafa PET. A empresa e outras gigantes fabricantes de bebidas e alimentos possuem projetos para ampliar o uso dos retornáveis, mas ainda há muito a ser feito para que esse volte a ser o formato dominante. É preciso que atinja não apenas a indústria de alimentos e bebidas, mas também outros segmentos, como higiene e limpeza, entre outros. E também conceber modelos de negócios que englobem os pequenos fabricantes e atraia o interesse dos varejistas e dos consumidores.

Políticas públicas também poderiam sobretaxar produtos com embalagens de baixa reciclabilidade e conceder benefícios tributários a empresas que utilizem embalagens biodegradáveis ou retornáveis, gerando grande impacto positivo. Da mesma maneira, estimular estabelecimentos comerciais que deem preferência a esses tipos de produtos também se mostra uma boa alternativa. Tudo isso se refletiria em um preço mais atrativo para a venda do produto no varejo e estimularia os consumidores a adotar as escolhas mais sustentáveis.

Gustavo Fanaya é diretor-executivo do Instituto Paranaense de Reciclagem (InPAR)