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Luta antimanicomial: do que estamos falando?

28 de Maio de 2019 às 00:01

Tatiana Doval Amador

Desde 1987, no dia 18 de maio é comemorado o Dia da Luta Antimanicômios, quando no Congresso de Trabalhadores da Saúde Mental, que também teve grande participação popular (principalmente de usuários de serviços e seus familiares), na cidade de Bauru (SP), a data foi instituída com o objetivo de se tornar um dia de luta e conscientização pelos direitos da pessoa com transtorno mental.

No Brasil temos os primeiros passos da instituição psiquiátrica em 1852, com a chegada da família real. Em meio ao processo de modernização do país, é criado o Hospital Dom Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro, seguido das experiências de São Paulo, Recife e Salvador. Tais instituições tinham o propósito de tratamento a partir da segregação e isolamento.

Num salto cronológico, vamos à década de 80, que foi marcada pelo processo de redemocratização do Brasil, resultando na Constituição de 1988 e o reconhecimento dos cidadãos como sujeitos de direitos. Em 1989, o deputado Paulo Delgado apresentou o Projeto de Lei indicando a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais. Após 12 anos, o projeto com alterações substanciais regulamentou as internações psiquiátricas. A Lei 10.216 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

A região de Sorocaba, tristemente, foi considerada por décadas o maior polo manicomial da América Latina, chegando a ter 1,5 mil internos em 2012, quando a grande mídia trouxe às vistas da população a real situação vivida por essas pessoas. Essa denúncia resultou num Termo de Ajustamento de Conduta que determinava o fim dos manicômios da cidade e a implantação de uma Rede de Atenção Psicossocial (Raps) em consonância com a Política Nacional de Saúde Mental, conforme assistimos em 2018 ao fechamento da última instituição, o hospital Vera Cruz.

Assim, o cuidado em saúde mental se organiza pela Raps, que prevê estratégias na atenção básica em saúde, atenção psicossocial especializada, atenção de urgência e emergência, atenção residencial de caráter transitório, atenção hospitalar, estratégias de desinstitucionalização e reabilitação psicossocial.

Porém, no início de 2019, essa política foi colocada em risco por uma nota técnica do Ministério da Saúde nº. 11/2019, que passou a discutir a possibilidade de incluir instituições fechadas (hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas) na Raps, voltar a financiar a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia (eletrochoque), internar crianças e adolescentes nestas instituições, investir em ambulatórios especializados (tratamento medicamentoso) e implantar política de atenção às drogas com base na abstinência.

Na operacionalização cotidiana da Raps tamanhos os desafios a serem superados no plano técnico-assistencial, jurídico-político, epistemológico e sociocultural, o que torna fundamental resgatar o direito social à saúde no sentido de lidar com a diversidade e garantir estratégias de cuidado comprometidas com os princípios éticos do Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica.

Para não concluir... estamos falando muito mais do que a luta pelo fechamento dos manicômios, mas de um processo democrático, falamos em luta por respeito, ética, cuidado, direitos humanos, saúde, não medicalização de problemas sociais, melhores salários e condições de trabalho, equipes de saúde mental interdisciplinares, mas principalmente... a ideia de que a vida de qualquer um de nós vale a pena!

Tatiana Doval Amador, terapeuta ocupacional, mestra em Educação, professora dos Cursos da Saúde da Uniso -- [email protected]