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Lições de um bom leitor (parte 2)

22 de Novembro de 2019 às 00:01

João Alvarenga

“Uma boa refeição nutre nosso corpo, um bom livro, alimenta nossa alma para sempre”. É com esse pensamento que o saudoso professor de Filosofia, Jacob Bazarian enfatizava, em suas aulas, o quanto uma obra literária é capaz de mudar um pensamento ou transformar uma vida. Mas, os ensinos desse querido mestre não se limitavam à mera exposição de ideias, pois também se dedicou à arte da escrita, com mais de vinte livros para publicados.

De natureza armênia, Bazarian passou seus últimos dias em Itapetininga, cidade que adotou como seu segundo lar. Foi lá que tive o prazer de conhecê-lo na minha juventude. Movido pela vontade de escrever, colhi desse sábio senhor outro ensinamento profícuo: “se você deseja se tornar um bom escritor, é preciso, antes de tudo, ser um bom leitor.”

Mas, afinal, o que caracteriza, de fato, um bom leitor? Ao focar, no artigo anterior, o quanto os professores penam para despertar em seus pupilos a gula pelo saber, encerrei o texto com a promessa de que passaria algumas dicas. Pois bem, o que direi, neste escrito, é o mais sincero depoimento de quem, desde as primeiras letras, sempre se sentiu envolvido pelo mundo da palavra escrita, impressa e, hoje, digitalizada. Uma das minhas primeiras experiências com as obras literárias, que jamais me esquecerei, aconteceu quando eu tinha dez anos de idade.

O fato se deu da seguinte forma: era antevéspera do Natal e, como toda criança, aguardava ansioso pela chegada do Papai Noel, embora suspeitasse que, naquele ano de 1972, os festejos natalinos seriam minguados, pois meus pais passavam por dificuldades financeiras. Eis que um milagre aconteceu: alguém bateu à porta.

Na verdade, era meu querido padrinho, Raimundo Françani, que nos visitava numa fria tarde de domingo. Porém, não veio de mãos vazias. Trouxe-me um presente inimaginável: uma caixa repleta de livros infantis. Entre os exemplares estavam às histórias do “Sítio do pica-pau amarelo”, de Monteiro Lobato. Além disso, alguns volumes da coleção “Para gostar de ler”, da Ática e, também, uma edição especial ilustrada sobre a vida de Vincent Van-Gogh.

Confesso que foi um fim de ano que marcou minha vida para sempre, porque passei os festejos lendo e relendo aqueles livros, além de olhar, diversas vezes, as gravuras daquele misterioso pintor, cuja vida foi marcada por imensas vicissitudes. A partir daquele momento, percebi que o livro é um produto do bem. Porém, não se trata de um objeto sagrado e estático, como se apregoava, antigamente. Conceito que confinava as obras às estantes, apenas como meros enfeites ou, então, a exposição de tantos volumes tinha, apenas, a função de impressionar as visitas.

Talvez, essa seja primeira lição que aprendi: uma obra literária deve ser “devorada” pelos leitores, a partir de constante convivência. Assim, meus livros são todos marcados, riscados, com várias anotações na contracapa e nas bordas. Alguns alunos se espantam, quando percebem que não tenho tanto zelo com os exemplares. Quanto a isto, declaro que o mais importante é que o leitor se aproprie da obra. Para isso, muitas vezes, é preciso mais do que uma única leitura.

Para concluir esta abordagem, deixo, aqui, outra lição que considero importante: nunca perdi o hábito de consultar os dicionários, quando uma palavra me soa estranha. Aliás, até hoje faço tais consultas para satisfazer mais do que mera curiosidade, mas confirmar se tal vocábulo realmente se ajusta ao contexto do texto. Quando adotamos essa prática, nosso léxico expande e, assim, ampliamos nossa visão sobre o próprio idioma. Na próxima quinzena, passarei outras dicas. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa língua sem segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.