Lições de um bom leitor (parte 1)
João Alvarenga
Um dos aspectos mais delicados, no ambiente escolar, é a tentativa insistente dos professores de enfatizar aos alunos o quanto a leitura é de suma importância para a construção de um saber pleno e permanente. Ou seja, algo que deverá acompanhá-los por toda vida estudantil (do fundamental ao ensino universitário) e pessoal.
Nesse quesito, muitos educadores, principalmente de literatura, artes e Humanas, direcionam parte de suas abordagens para enfatizar ao corpo discente o quanto o ato de ler é primordial para a transformação do indivíduo. Isso no que diz respeito à criação do pensamento criativo. Afinal, um bom leitor tem capacidade plena de formar ideias, interpretar criticamente a realidade a sua volta e consegue formular argumentos consistentes, a fim de defender determinado ponto de vista. Além de dissertar eficientemente sobre qualquer assunto.
No entanto, todas essas discussões em torno da leitura e suas benesses são inócuas, pois sabemos que muitos estudantes, principalmente os adolescentes resistem, bravamente, a conselhos oriundos de pais ou educadores. Muitos desses jovens simplesmente ignoram que a vida acadêmica, que terão pela frente, será uma contínua convivência (coesa ou não) com a prática de interpretação de textos acadêmicos.
Além disso, muitos desses volumes são carregadíssimos de teorias profundas, que exigirão mais do que uma mera olhada na orelha da obra. Será preciso ler e reler o que leu continuamente. Isso porque não se forma uma opinião, bem embasada, numa única leitura de um texto, principalmente se tal prática se deu de forma superficial e aleatória.
Mas, se o discurso, em sala de aula, em torno de tal necessidade, não surte o efeito desejado, diremos aos mestres: não se desesperem. Pois, basta o alunado se confrontar com um grande desafio, no que tange à interpretação de textos, para que ele, literalmente, leve um baita susto e perceba, a duras penas, que o saber exige mais do que uma simples simulação do ato de ler. Para se apropriar do conhecimento, é necessário um convívio íntimo com as obras literárias, científicas e técnicas.
De certo modo, a prova de linguagens do Enem, deste ano, mais uma vez ratifica tal pensamento. Pois, as questões proporcionaram inquietações nos candidatos, além de confirmar a tese de que muitos não conseguem se concentrar, quando o texto é um pouco mais extenso e contém palavras incomuns. As disciplinas de Filosofia e Sociologia são exemplos do quanto os jovens penam para interpretar certas formulações expostas pelos pensadores. Tais matérias sempre agregam abordagens mais consistentes, a fim de levar os estudantes à reflexão, algo um pouco mais difícil numa sociedade dispersiva, na qual os jovens estão inseridos.
Nesse contexto, nem dá para imaginar que um candidato, numa prova de fôlego, como é a do Enem, terá êxito apenas na base do chute. Tal exame exige leitura e compreensão das comandas, para entender o que é solicitado na prova. Inclusive, ouvi muitas queixas sobre o excesso de textos, não só de alunos, mas também de alguns professores, pois acreditam que tal cobrança é um paradoxo, num país em que há um grave desnível entre educação pública e privada.
Todavia, interpretação textual é o “Calcanhar de Aquiles” que atinge até mesmo as universidades. Isso porque, os educadores insistem: falta familiaridade com os textos, convívio permanente com as obras, a fim de criar um hábito permanente e saudável. Talvez, o leitor questione: como fazer os jovens se interessarem por livros num mundo, em que os celulares têm mais atrativos do que qualquer texto de Guimarães Rosa. Na próxima quinzena, daremos algumas dicas. Até lá!
João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa língua sem segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h