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Irmãs de trabalho e fé

12 de Dezembro de 2020 às 00:01

Irmãs de trabalho e fé Crédito da foto: Álbum de família

Edgard Steffen

Dia da Bíblia -- 2º domingo de dezembro

Em toda minha família¹, duas tias talvez sejam as que mais obedeceram a Bíblia como regra de fé e prática. Maria (1886 - 1955), gêmea de meu pai, e Martha (1901 - 1999) irmã mais nova.

Elas me trazem à mente as irmãs de Lázaro, moradoras em Betânia. Aparecem em três episódios do Novo Testamento². O mais impactante é a ressurreição do irmão. O mais trivial a rusga familiar; a mais velha queixa-se da caçula que preferiu ficar perto de Jesus, em vez de ajudá-la na recepção ao amigo convidado. Jesus adverte “Marta, Marta! Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada”. O mais simbólico, no almoço na casa de Simão, o leproso. Martha trabalha e Maria é repreendida porque derrama nardo puro nos pés de Jesus e os enxuga com os cabelos. O Mestre afirma que Maria será lembrada pelo gesto de unção.

Em suas respectivas biografias, minhas tias exibiam atributos das homônimas betanienses. Eram exemplos de fé e trabalho. De origem luterana, militaram em comunidades calvinistas.

Tia Maria casou-se com Gustavo Wolf, agricultor cristão e trabalhador. As lides na fazenda do casal somente iniciavam após acolherem seus empregados para um culto doméstico, seguido pelo café da manhã. Parentes menos fervorosos julgavam desperdício no tempo de labuta.

O casal teve quatro filhos, riqueza explícita para famílias voltadas à agricultura. Filhas, apenas as noras. Ricardo, Calvino, Armando e Oswaldo representavam braços fortes para o trabalho do campo. Armando destacou-se músico (num tempo em que a música gospel não gerava dinheiro). Oswaldo, o caçula, conciliou sua atividade rural com política e empreendedorismo. Foi vereador em Itu (SP). Em Dourados (MS), foi um dos criadores da rede telefônica local e proprietário de empresa perfuradora de poços artesianos.

Quando o chefe da família faleceu, Maria e seus filhos resolveram vender a fazenda de Itu (SP) e migrar para o Mato Grosso com dois objetivos: desbravamento e pregação do Evangelho. Desta ação resultaram 11 núcleos presbiterianos. Os descendentes continuam no MS, trabalhando fora da agricultura em profissões diversas.

Meu pai sempre foi ecumênico mesmo antes do Concílio Vaticano II. Entre seus amigos existiam padres. Contam que sua irmã gêmea, quando veio visitá-lo deu a mão a todos... mas pulou o pároco.

Tia Martha, irmã mais nova, casou-se com Carlos Oscar Fahl. Tiveram a filha Dalva e o filho Newton “Brudi” Fahl³. Com eles morei, no sítio do Capão Grande (Indaiatuba, SP), desde o desmame até entrar para o grupo escolar. Voltei a morar com eles, em Campinas, para completar o curso secundário e iniciar o colegial, o que fez de Brudi verdadeiro irmão. Fomos colegas de classe tanto no Cesário Mota (ginasial) como no Culto à Ciência (científico).

Se a casa da fazendola vivia cheia de sobrinhos em férias, a de Campinas era ponto de apoio para toda parentela e amigos. Quem precisasse consultar médico especialista ou participar de algum evento vinha se hospedar na casa deles. Mais água no feijão e roupa de cama limpa num colchão no chão cuidavam do visitante.

Newton formou-se em Odontologia pela USP. Dalva, formada em Economia Doméstica, casou-se com o jovem pastor Luiz Pereira Boaventura. Tia Martha acompanhou-os e os ajudou nas lides da casa e criação dos netos, enquanto o casal exercia o “ide e pregai” em Londrina, Denver (USA) e Lisboa. Em Portugal foram professores no Seminário Presbiteriano.

No avião que a levava a Lisboa (1958), tia Martha conversou com senhora da poltrona vizinha. A companheira de viagem, brasileira, era mãe do centroavante João José Altafini, conhecido no Brasil como Mazzola. Eufórica, contou que iria para a Itália porque seu filho fora vendido ao Milan. Tia Martha, que nada sabia do mundo futebolístico, confessou ter conjecturado “Eu não venderia meu Brudi nem por um milhão de dólares...”

1 Os Steffen (1850-2017) -- Editora Ottoni, 2017.

2 João 12 -- Lucas 10:38 a 42--João 12:1 a 8

3 - “Brudi” coloquial alemão para “irmãozinho”

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra. E-mail: [email protected]