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Histórias de prematuridade

22 de Junho de 2019 às 00:01

Histórias de prematuridade Crédito da foto: Andrew Loomis (1938) / Wikimedia Commons

Edgard Steffen

Aprendi a falar “doutor” antes de falar “mamãe”.

(Cécilie Dionne)

Médicos e biólogos modernos andam brincando de Deus. Um chinês -- felizmente bloqueado pela Bioética -- diz-se capaz de modificar o código genético da célula-ovo. Progressos da tecnologia aplicada à medicina e melhores conhecimentos sobre fecundação, técnicas cirúrgicas intrauterinas, equipes e unidades de terapia intensiva tornam viáveis fetos imaturos. Sobrevivência jamais sonhada na primeira metade do século 20.

Encontro o Wanderley, que vocês conhecem como Zug. Conheço-o desde a infância. Formado em Educação Física, empresário e alfaiate especializado em camisas especiais, sob medida, arte herdada de seu pai Vante, esportista proprietário da antiga Alfaiataria Século XX. Zug/Wanderley estava radiante. Alegria mais que justa. Fora aos USA conhecer sua neta gerada por fecundação assistida. Vitória, pouco mais de 500 gramas, cabia em sua mão. Em perfeita saúde, mostra que veio para ficar.

Imaturos anteriores à existência de neonatologistas e das UTIs eram submetidos à darwiniana seleção da espécie. Dos inúmeros prematuros que assisti, o menor sobrevivente foi um milagre de 800 gramas. Enorme, se comparado ao exibido pela televisão nesta semana. Em Tóquio, menino nascido com apenas 268 gramas (24 semanas de gestação), recebeu alta, após 5 meses de internação. Menor recém-nascido de sexo masculino sobrevivente com saúde.

Gestações múltiplas tornaram-se mais encontradiças após o advento das técnicas de fecundação assistida. Notícias recentes registram dois casos de quíntuplos no Brasil. As mães engravidaram pelo método natural. Um caso em Chopinzinho (PR) e outro em Vila Velha (ES). Estes já nasceram: Três mulheres e dois homens. Nascimentos de quíntuplos são tão raros que não há cálculo confiável de sua incidência sobre número de partos no mundo. Talvez uma a cada 65 milhões de gestações.

Pesquiso na internet. O primeiro caso de sobrevivência de quíntuplos na história da medicina foi o das irmãs Dionne. As canadenses foram cantadas em prosa e verso pelo cinema, revistas e jornais na década de 30. Há muitos sites com fotos e textos. Filhas de casal pobre da zona rural de Corbeil (Ontario), Marie, Annette, Émilie, Cécilie e Yvonne nasceram aos 28 de maio de 1934. Quando os pais quiseram, mediante cachê, apresentá-las na Exposição de Chicago, o governo de Ontário, assessorado pelo médico Allan Roy Dafoe, parteiro das gêmeas, retirou-lhes o pátrio poder.

Os agentes que pretextaram proteger as crianças da exploração comercial, faturaram grandes somas colocando-as em reclames de leite (Carnation), xaropes, aveia, pasta de dentes, sabonetes etc. Exposta numa sala de vidros e espelhos atraíram mais de 3 milhões de turistas. Até Elizabeth -- futura Rainha da Inglaterra -- ainda princesa, veio conhecê-las. Viraram atração turística maior que as cataratas de Niágara. Quando as irmãs alcançaram 9 anos, os pais ganharam na justiça a devolução da custódia. O casal continuou a exposição e exploração midiática das filhas. Enriqueceram. Faturaram mais de 500 milhões de dólares canadenses. Mal completaram 18 anos, as Irmãs Dionne pediram e ganharam na Justiça liberdade do controle paterno. Émilie entrou para um convento, mas não passou de noviça. Epiléptica, morreu afogada numa banheira aos 20 anos. Yvonne permaneceu solteira. Marie, Anette e Cécilie casaram-se aos 23 anos. Marie faleceu jovem (35 anos) vítimas de trombose. Casamentos desfeitos, alcoolismo, livros, filmes e até abuso sexual, por parte do pai, entraram para a biografia das quíntuplas.

Em 1998, as sobreviventes estavam pobres novamente. Juntas ganhavam 525 dólares canadenses por mês. Sob argumento de que foram exploradas pelo governo de Ontário e não tiveram acesso ao dinheiro, Yvonne, Anette e Cécilie processaram o governo e receberam indenização de 2,8 milhões de dólares. Yvonne faleceu vítima de câncer aos 67 anos. As duas últimas ultrapassaram os 80 anos de vida.

Vamos orar e torcer para que as quintilhas do Paraná e do Espírito Santo, sobrevivam e cresçam numa vida mais tranquilha e feliz que as midiáticas quíntuplas canadenses.

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve para o Cruzeiro do Sul -- [email protected]