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Guerra de canudos

11 de Setembro de 2018 às 09:04

Foto: Pixabay

Na terça-feira passada, dia 4/9, a Câmara Municipal de Sorocaba aprovou, em primeira discussão (ou seja, não é definitivo, até porque o prefeito ainda não sancionou), projeto de lei que proíbe canudos plásticos em restaurantes, lanchonetes, bares e similares da cidade a partir de 1º de janeiro de 2019. Segundo o jornal Cruzeiro do Sul do dia 5, “de acordo com a proposta, os estabelecimentos só poderão oferecer aos clientes canudos de papel biodegradável ou reciclável, individualmente, totalmente fechados e embalados com material semelhante. O descumprimento da norma prevê desde advertência até multa de R$ 3.084,00”.

Saber que os vereadores da cidade estão discutindo problemas ambientais não deixa de ser um alento quando se pensa no nível atual da política brasileira. Mas sobre esse assunto devem ser esclarecidos alguns pontos. Não basta falar que Cotia (SP) e Rio de Janeiro (RJ) já têm leis semelhantes e que outras cidades discutem o tema. Há um problema de conceito aí.

Novamente se culpa o plástico (como no caso das sacolinhas de supermercado, que viraram vilãs tempos atrás) e não quem gera o lixo plástico, seja ele o industrial, o comerciante e, principalmente, o consumidor. É como se o produto, seja sacola, seja canudinho, não tivesse utilidade nenhuma e nem fosse interessante ele ser descartável. O projeto de lei reconhece o fato, obrigando a utilização de canudos de papel descartáveis, pois o papel é biodegradável e reciclável. Só que substituir canudos de plástico por canudos de papel não resolve o problema.

Uma das propriedades que tornam o papel biodegradável é o fato de que ele se desmancha em água. Já imaginaram um canudo desmanchando com água, base de todas as bebidas? Não ia dar certo.

Ué, mas e o copo de papel oferecido por algumas lanchonetes? Adivinha só, o que torna esse papel impermeável é justamente uma fina camada de plástico ou outro material polimérico (como cola de amido modificada), o que dificulta a reciclagem do papel e, obviamente, sua biodegradação.

Outro ponto: fala-se em biodegradação como se um aterro sanitário (para onde vai quase todo o lixo sorocabano) fosse um imenso tubo de ensaio, onde micróbios esfomeados devoram tudo o que desprezamos. Ledo engano: ao cobrir com camadas e camadas de lixo, a quantidade de oxigênio num aterro sanitário fica restrita, vai acabando e com ela a biodegradação feita por bactérias aeróbias, as mais famintas e mais rápidas, se extingue. Sobram as bactérias que não usam oxigênio, mais lentas e com muita, mas muita comida boa à disposição. E papel revestido está longe de ser comida boa para elas.

Mas o papel é reciclável!! Sim. Só que o plástico também é. Por que alguém acha que vão ficar recolhendo canudinhos de papel se não recolhem os de plástico? O preço da sucata desses dois materiais é bastante semelhante. E nada atraente a ponto de ficarem recolhendo pequenos produtos ou pedaços.

É fato que a praga do descartável assola a sociedade e é preciso ser feito algo contra isso. Num “fast-food” até guardanapo vem embrulhado. Canudo vem embrulhado. Será que os materiais que embrulham (papel ou plástico) são reciclados?

A bola da vez agora são os canudos de plástico, extremamente úteis para quem precisa (crianças, por exemplo) e para quem gosta. Por serem impermeáveis, são materiais ótimos para o contato com líquidos. Assim como são os canudos de papel revestido.

Em 2012, a bola da vez eram as sacolas e falou-se até em banir o produto. Falou-se em cobrar por sacola usada. A reação foi feroz por parte de consumidores mimados e retrocedeu por conta de comerciantes assustados com essa reação. Em algumas cidades ou estabelecimentos a cobrança sobreviveu e a quantidade de sacolinhas diminuiu bastante. No mundo desenvolvido (ou não necessariamente) isso é bastante comum.

Por que então não restringir o uso de canudos (de plástico ou de papel)? Por que não cobrar alguns centavos por canudo? Isso pode até gerar um desgaste inicial para legisladores e comerciantes, mas parece ser bem mais interessante em termos ecológicos. E até pedagógicos.

Sandro Donnini Mancini ([email protected]) é professor da Unesp-Sorocaba e escreve quinzenalmente, às terças-feiras, nesse espaço.