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Gerúndio

29 de Julho de 2018 às 13:45

Luis Fernando Verissimo

No dia 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral não estava descobrindo o Brasil, estava a descobrir o Brasil. Um dos grandes mistérios da nossa história e da história da nossa língua quase em comum é: por que o gerúndio (forma nominal do verbo caracterizada pelo sufixo "ndo"), que quase não é usado em Portugal, é tão usado no Brasil?

Já se disse que a diferença entre o português brasileiro e o português português é uma questão de tempo e de espaço. Os portugueses falariam como falam, correndo (ou a correr), comendo (ou a comer) sílabas, a trocar o gordo "o" pelo menos expansivo "u", porque lhes falta o espaço e o tempo, que encontraram nas colônias, para palavras inteiras e dicção pausada. O portugues de Portugal seria uma língua apertada. Mas isto não esclarece o mistério do gerúndio.

Atribui-se a proliferação do gerúndio no português brasileiro à influência do inglês, que teria provocado o gerundismo, ou o hábito de empregar o gerúndio mesmo quando não cabe ou não se deve. Existe até um nome para o uso excessivo do gerúndio: endorréia.

Uma palavra suficientemente horrível para fazer os portugueses se sentirem vingados por tudo que fizemos com a língua deles. Digam o que disserem, de endorréia eles nunca sofreram.

Certa vez em Portugal, assistíamos a cenas de morte e destruição em algum lugar do Oriente Médio pela TV do hotel sem entender por que o repórter no local só falava em turismo. Levamos algum tempo para nos darmos conta que o repórter não estava sendo insensível, falando de frivolidades em meio à matança. Não estava dizendo turismo, mas terrorismo.

Outra vez, no Porto, fui entrevistado por uma TV local. Não tive dificuldade com a primeira pergunta, era sobre autores portugueses mais lidos no Brasil. "José Saramago", respondi, confiante. E não entendi mais nenhuma pergunta. Nenhuma. Em pânico, optei por uma tática suicida. Respondi "José Saramago" a todas as outras perguntas que me fizeram..

Deixei os entrevistadores impressionados com o prestigio do Saramago no Brasil e com a minha debilidade mental.

* Luis Fernando Verissimo é da Agência O Globo e escreve para o Cruzeiro do Sul