Fundos de estabilização para preços da gasolina
Celso Ming
Independentemente da truculência com que foi feita, a intervenção de Bolsonaro na Petrobras foi uma tentativa (embora nada eficaz) de garantir certa previsibilidade nos preços dos derivados do petróleo.
Os preços flutuam, as flutuações criam incertezas e as incertezas podem prostrar os negócios. Mais ainda, os preços flutuam quando mercadorias e serviços são pagos em moedas diferentes daquelas com que são lançados nos faturamentos.
Na semana que passou, muita gente, especialmente políticos, sugeriu a criação de fundos de estabilização dos preços dos derivados de petróleo, mas não foram capazes de apontar com que recursos esses fundos seriam formados. Este é o tema desta coluna.
No Brasil, um dos preços mais instáveis da economia é a cotação da moeda estrangeira. Essa instabilidade cria problemas para quem opera nessas moedas. Exportadores, por exemplo, que recebem a prazo e podem perder com a queda da cotação do dólar; ou importadores, que poderiam ter de gastar mais reais para pagamento de uma conta em dólares, têm de enfrentar essas incertezas. Para esses desencontros, o mercado proporciona mecanismos de hedge (defesa) que, na prática, consistem em garantir contrapartidas em ativos em moeda estrangeira. Se um importador de uma máquina tem de pagar uma conta de US$ 1 milhão dentro de seis meses, pode comprar títulos em dólares e, na hora do pagamento, vendê-los ao câmbio do dia e, assim, não teria de enfrentar o tranco das oscilações.
Do ponto de vista macroeconômico, o maior fundo de estabilização do câmbio são as reservas internacionais, que atingiram US$ 355 bilhões em janeiro. Se as cotações da moeda estrangeira ficam voláteis demais, o Banco Central pode vender reservas para matar a fome de dólares do mercado. Mas essas reservas foram formadas há alguns anos, quando havia folga fiscal para isso.
No caso dos derivados de petróleo, no passado, o mecanismo de estabilização era a chamada Conta Petróleo. Quando a Petrobras se via na contingência de vender seus produtos abaixo dos preços do mercado, produzia-se um subsídio para o consumidor que era depois ressarcido pela Conta Petróleo que gerava despesas correspondentes do Tesouro a favor da Petrobras. O impacto fiscal provocou o fim dessa conta em 2002. De lá para cá, a estabilização dos preços sempre foi um problema.
Com graus variados de eficácia, alguns países operam com fundos de estabilização. Esses fundos são formados com parte das receitas do petróleo quando os preços estão baixos. É utilizado para reduzir a conta para o consumidor quando os preços disparam, como agora. Mas, outra vez, é preciso que existam os recursos. Dizer que podem ser formados com royalties extras ou novas contribuições especiais das petroleiras implica ou usar receitas que seriam do governo federal, dos Estados e dos municípios ou aumentar os preços ao consumidor, que se encarregariam de recolher esses extras.
Outro tipo de hedge pode ser aplicado diretamente sobre os fretes, solução nunca tentada por aqui. Nesse caso, o contrato do frete deve incluir cláusula de pagamento extra para o caminhoneiro a cargo do contratante, caso os custos no diesel ou no pedágio avancem para acima de determinado nível. Esse sistema funciona, aparentemente com sucesso, nos Estados Unidos.
Qualquer que seja a solução adotada, não há como evitar a volatilidade dos preços do petróleo, um produto sujeito a grandes pressões da geopolítica, do câmbio e do sobe e desce do consumo. Quando começou a pandemia, por exemplo, a expectativa era de encolhimento do PIB no mundo inteiro e, portanto, de queda de consumo de derivados e forte redução dos preços do petróleo. O avanço da vacinação e o impressionante despejo de recursos na economia mundial também reverteram a trajetória do PIB, os estoques tiveram de ser refeitos, o consumo desandou e os preços do petróleo dispararam. Ou seja, os derivados do petróleo são produtos altamente sujeitos às oscilações de preços.
Nessa história também não há milagre. Qualquer que seja o modelo de administração de uma grande petroleira, como a Petrobrás, é inevitável enfrentar essas montanhas e vales.
Celso Ming é jornalista especializado em economia.