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Finados

27 de Outubro de 2019 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

A última palavra sobre nós e o mundo não é a morte, mas a ressurreição. Somos seres destinados à morte. Nisto está nosso drama, pois por mais que amemos a vida, ela termina. Experimentamos a sede insaciável de vida, mas somos constantemente confrontados com a dura realidade da morte que não está fora de nós, mas inscrita em nossa condição humana. Ela não sobrevém a nós; nós é que somos mortais! Desde o nascimento estamos marcados por ela, de tal forma que um recém-nascido já é bastante velho para morrer. Nascemos para morrer, e toda nossa existência corre em direção a esse desenlace inevitável. Nossa impotência em mudar este constitutivo de nossa natureza é radical. Não há para nós nenhuma possibilidade de autossalvação! A morte acaba com nossas ilusões de um autoaperfeiçoamento ilimitado.

A morte é um evento que me diz respeito. Não são os outros que morrem; sou eu que morro, ou meu pai, minha mãe, meu irmão que morre! A morte sempre será experimentada como um drama.

O nosso drama, porém, foi assumido por Jesus. Ele assumiu nosso morrer para evitar que o drama acabasse na tragédia. Quanto maior é a experiência de nossa impotência, com a qual afrontamos a morte, maior e mais radical aparece a esperança da ressurreição. A ressurreição não dissolve o drama, supera-o.

A ressurreição é uma outra palavra para definir a atitude de Deus em relação a nós. Deus nos criou do nada, mas Ele não quer que retornemos ao nada. É difícil acostumar nosso olhar e ver as coisas como Deus vê. Assumir o olhar de Deus significa abrir-se para uma grande esperança, começar a viver uma grande promessa. Deus nos revelou em Jesus Cristo que seu desejo mais ardente e sua vontade mais firme é a nossa vida e a do mundo. Por isso, em vez de falar de fim da vida, deveríamos falar de futuro da vida. A nós é dado assistir ao milagre do ser; somos convidados a acompanhar como Deus cria, mantém e faz desenvolver as coisas e as pessoas. Por isso ressurreição significa professar nossa confiança inabalável em Deus. Sua fidelidade é tal que deseja nos recriar. Este é um traço absolutamente singular do amor de Deus: Ele não rejeita a sua primeira obra, para começar uma totalmente nova.

Creio na ressurreição da carne! Deus ressuscita não somente uma parte de nós, mas nosso ser integral. Ele ama integralmente, por isso tudo ressuscita. Que diferença! Para nós as pessoas queridas continuam a viver em nossa memória, nos objetos que guardamos. Por mais que amemos muita coisa se perde da pessoa que partiu. Mas para Deus nada é perdido.

Deus Pai não ama somente as moléculas que estão no corpo no momento da morte. Ele ama um corpo marcado pelos sofrimentos da vida. Ama um corpo marcado também pela nostalgia sem tréguas de uma peregrinação (longa ou breve não importa), e que no curso dessa peregrinação deixou muitas pegadas em um mundo que, justamente em virtude dessas pegadas, se tornou humano; um corpo que se nutriu continuamente com a abundância deste mundo a fim de que o homem não ficasse sem forças e sem caminho; um corpo que se chocou e se feriu com a dureza deste mundo, e traz ainda muitas cicatrizes, e ainda sempre carente de carinho continuou a expor-se. Ressurreição da carne significa que de tudo isso nada se perdeu para Deus, porque Ele ama o ser humano. Todas as lágrimas, Ele as recolheu, e nenhum sorriso lhe escapou. Tudo é acolhido pelo Pai e transfigurado de eternidade. Ressurreição da carne significa que em Deus iremos achar não somente o nosso último suspiro, mas toda a nossa história.

Creio na vida eterna. Amém!

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.