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Filmes da Netflix: ‘Roma’

29 de Maio de 2020 às 00:01

Filmes da Netflix: ‘Roma’ A vida simples da protagonista Cleo (Yalitza Aparicio) determina o ritmo do filme. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

Começarei este artigo com uma breve descrição do contexto histórico em que o filme se desenrola, em 1971. Em seguida, escreverei sobre Cleo, protagonista do filme. Finalmente, darei uma interpretação pessoal da relação entre esses dois tópicos.

Para falar de 1971, temos de voltar às manifestações de “Maio de 68” em Paris, que se propagaram por vários países, chegando a países comunistas como a Polônia, ao Oriente Médio e à América Latina. No México, essa grande onda quebrou-se em 1968, quando foi rompida a regra tácita entre manifestantes e polícia -- a de que ninguém fosse morto nos protestos: civis foram mortos, não só estudantes (as cifras mais comuns apontam entre 300 a 400 o número de vítimas fatais). Luis Echeverría era ministro do interior e no futuro seria apontado como provável responsável pela matança.

Para reprimir possíveis novas agitações como as de 68, foi criado um grupo paramilitar de jovens, os falcões, treinados em artes marciais por instrutores da CIA dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. No dia de Corpus Christi, 10 de junho em 1971, com Echeverría agora presidente, ocorre uma manifestação de estudantes pela democracia e outro massacre foi perpetrado, agora pelos falcões, usando inicialmente bastões de bambu e depois facas e armas de fogo. Mais de 100 pessoas morreram. O filme mostra essas manifestações, a condição miserável dos bairros onde os falcões eram recrutados e treinados, onde se lê em uma montanha “LEA EDO MEX” que significa Luis Echeverría Álvarez Estado de México. Durante o filme vemos cartazes e referências à política e à luta por terras.

Cleo é uma jovem tímida e incansável empregada doméstica de origem indígena, que adota como sua a família a quem serve -- composta de um casal e seus quatro filhos e a avó dos meninos. A família leva um padrão de vida acima da capacidade financeira, metaforizada pelo enorme carro que mal consegue entrar garagem da casa ou não consegue passar entre dos caminhões estacionados (mais tarde, diante da nova situação econômica, comprarão um carro menor). Cleo fica grávida e o namorado-falcão desaparece; a ajuda sincera da patroa Sofía é um dos grandes méritos do filme: o de não ser claro e nem maniqueísta sobre a relação da família com a empregada.

Cleo é contida em seus sentimentos e o único momento em que extravasa suas emoções é quando, chorando, confessa a culpa de desejar que sua filha nascesse morta. Quando o marido abandona Sofía, a condição econômica da família se deteriora. Mas Cleo continuará sendo a afetiva e fiel empregada e corre risco de vida para salvar dois filhos de Sofia do afogamento.

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As duas mulheres, Cleo e Sofia, são abandonadas pelos parceiros. Mas, a turbulência dentro da família transcorre como se nada estivesse ocorrendo lá fora; ninguém emite um único comentário político. Cleo passou pela vida silenciosamente e ignora sua real condição social e o que fundamenta as manifestações estudantis. O mesmo ocorre com Fermín, que é preparado para colocar sua energia em atender a interesses alheios que podem prejudicar os seus próprios, como muitas vezes ocorre nas nossas escolhas políticas.

Na próxima semana escreverei sobre “Pais e filhas”.