Filmes da Netflix: “O dilema das redes” (Parte 6 de 9)
A sede de Apple em Cupertino, Califórnia, Estados Unidos. Crédito da foto: Divulgação
Nildo Benedetti - [email protected]
Caro leitor, considero o assunto tratado por esse filme de tal relevância, que resolvi, para analisá-lo em maior profundidade, estender para nove o número de artigos. Peço desculpas, mas se mantivesse a ideia inicial, alguns aspectos importantes sobre o tema deixariam de ser abordados.
Nos artigos anteriores sobre “O dilema das redes” escrevi sobre vários problemas que as redes trouxeram, entre os quais o da polarização social. Agora tratarei de uma questão particular, a da polarização na política.
Dependendo da crença política, aquilo que é visto como um mal para alguém pode ser visto como um bem para outra pessoa que pense diferente. Por exemplo, um partidário de regimes autoritários pode considerar positiva a ascensão das chamadas ditaduras digitais, previstas de ocorrer em uma ou duas décadas, baseadas em tecnologias digitais de vigilância que seguem tudo e todos o tempo todo. Já um indivíduo de ideias democráticas verá essa vigilância como destrutiva da sua liberdade e privacidade.
Portanto, para nortear este artigo, inicialmente será necessário escolher uma crença política para então determinar os efeitos que as tecnologias provocam sobre essa crença. Partirei da noção daquilo que Norberto Bobbio definiu como “fórmula democrático-liberal”, que estabelece estreita relação entre os conceitos de liberalismo e democracia. Para Bobbio, o que caracteriza o regime político moderno como democrático é a existência dos clássicos direitos de liberdade civil e política -- em que o povo escolhe livremente seus governantes -- associados ao pensamento liberal: a liberdade de opinião, de expressão, de reunião, de associação. Estado liberal e Estado democrático seriam interdependentes, porque são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático e é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais.
O Facebook é uma das mais eficazes ferramentas de persuasão já criadas. Por isso, muitos governantes adorariam poder usufruir dessa eficácia para benefício próprio, vasculhando a vida e dinamitando a reputação de opositores. Um ditador ou um governante que flerta com o autoritarismo poderá, por meio das redes, propagar as ideias mais estapafúrdias e ser cada vez mais freneticamente aplaudido pelos seguidores fanáticos, criando uma espiral de desinformação, ódio e violência (o filme cita um episódio ocorrido em Myanmar). Muitos governantes no mundo que são eleitos nas urnas, mas que, mais ou menos veladamente, têm aspirações totalitárias e querem se fortalecer no poder, empenham-se, por meio das redes sociais, na corrosão das instituições que estão incumbidas de garantir a democracia, acusando-as de responsáveis pelos males da nação.
Para quem acredita na democracia, a ameaça tecnológica na política reside na possibilidade de fortalecer regimes autoritários que tendem a se aproveitar o lado mais sombrio das redes sociais. Portanto, a ameaça tecnológica à democracia deveria ser neutralizada com as próprias ferramentas disponíveis pela democracia. Mas aqui surgem alguns problemas que dificultam essa tarefa e sobre eles escreverei na próxima semana.
Continua na próxima semana
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec