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Filmes da Netflix: “O dilema das redes” (Parte 4 de 7)

30 de Outubro de 2020 às 00:01

Filmes da Netflix: “O dilema das redes” (Parte 4 de 7) A sede do Google no Vale do Silício, na Califórnia. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

A tecnologia da informação colocou ao alcance do público enorme quantidade de contribuições de especialistas e pensadores da arte, da cultura, das ciências humanas e exatas. Temos acesso às bibliotecas de publicações e teses das melhores universidades sobre todos os ramos do conhecimento. As obras complexas de pensadores que não teríamos condição de compreender totalmente pela leitura direta são esclarecidas didaticamente em textos e vídeos elaborados por homens e mulheres que dominam determinado assunto com profundidade. E assim por diante.

Contudo, essas enormes possibilidades de acesso ao conhecimento geradas pela tecnologia da informação, que deveria enriquecer o debate produtivo de ideias entre indivíduos, acabou gerando um subproduto prejudicial ao próprio conhecimento. O filósofo e escritor italiano Umberto Eco afirmou que as redes propiciaram a invasão de uma legião de imbecis, porque promoveu um indivíduo estúpido a portador da verdade, dando-lhe igual autoridade de um vencedor de prêmio Nobel (vejam no Youtube o ar de superioridade dos defensores da Terra plana). De fato, por meio das mídias sociais podemos receber informações destituídas de profundidade e rigor, muitas vezes delirantes, rotuladas como “estudos”, “estatísticas”, fontes “confiáveis” etc. A origem desse tipo de informação falsa pode ser debitada a deficiências de vários tipos de seus emissários. Algumas são perfeitamente compreensíveis, como falta de escolaridade, falta de oportunidade, falta de tempo. Mas algumas nem tanto, porque podem ser efeito de preguiça de pensar, falta do hábito de estudar, impaciência de ler um texto até o fim. E outras ainda podem conter intenções obscuras de vários tipos.

Mas, em uma democracia é dado a todo indivíduo o direito de emitir opinião sobre qualquer assunto, desde que sejam preservados os limites legais. Portanto, podemos simplesmente ignorar tais informações falsas e levar nossa vida adiante. Porém, os problemas começam quando a coletividade é prejudicada por tais informações. Se, conforme vimos no artigo da semana passada, o indivíduo é suprido pelas redes de falsos conhecimentos que atendem às suas conveniências e às suas crenças, independentemente de serem ou não verdadeiras, é esperado que ele não veja motivos racionais para ser contrariado e passe a entender as opiniões diferentes como ataque pessoal. Recorre então a respostas curtas, instantâneas e irrefletidas, sem qualquer lógica, e vociferam ataques agressivos, ofensivos e frequentemente ilegais. Contraria o sábio conselho atribuído ao arcebispo da Igreja Anglicana da África do Sul, Desmond Tutu, de que, em um debate, não se deve levantar a voz mas melhorar os argumentos.

A partir das ideias que são apresentadas pelas mídias sociais como sendo realidade e a partir desses embates de opiniões que as redes facilitam, ocorre o fenômeno da polarização da sociedade. Ela é caracterizada por intolerância pelas ideias diferentes, chegando ao ódio por oponentes e até a atitudes violentas. Mas do ponto de vista do tempo de permanência dos indivíduos nas mídias, essa polarização é extremamente eficiente em manter as pessoas conectadas e fez que as empresas de tecnologia se tornassem bilionárias.

Continua na próxima semana