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Filmes da Netflix: ‘O cidadão ilustre’

15 de Maio de 2020 às 00:01

Filmes da Netflix: ‘O cidadão ilustre’ Antonio, de amigo íntimo a inimigo feroz de Mantovani (o premiado Oscar Martínez). Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

Em 2016, Gastón Duprat dirigiu, em parceria com Mariano Cohn, o filme “O cidadão ilustre”. O roteiro, como o de “Minha obra prima”, é de Andrés Duprat, diretor do Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires e irmão do diretor do filme.

Daniel Mantovani, cinco anos depois de ganhar o Nobel de Literatura, escreve um livro que tem por título “O cidadão ilustre”, em cinco capítulos; o primeiro é “O convite” e o quinto, “A caçada”, que termina com “Fim”, imediatamente depois do assassinato do escritor. Mantovani escreveu o livro na primeira pessoa, mas não esteve em Salas, como Dante Alighieri não esteve no Inferno,

O filme “O cidadão ilustre” é a versão para o cinema do livro de Mantovani, à qual o cineasta adicionou uma sequência inicial, que vai até o começo do Capítulo I, e uma sequência de encerramento, que começa em seguida à morte do escritor em Salas e vai até o fim do filme.

Assistir ao filme é excelente entretenimento, porém, meu objetivo neste artigo é o de selecionar e comentar algumas dentre as falas do filme que trazem considerações sobre Arte de modo geral e sobre Literatura em particular.

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Os sentimentos: uma população com respeito a Mantovani passam do orgulho ao ódio. Para dar sentido a esse comportamento, citarei as palavras que abrem o filme: “Seu trabalho aborda temas universais, contando a história íntima da aldeia onde nasceu e passou a juventude.” Os sentimentos presentes nos habitantes de Salas são próprios dos seres humanos de qualquer lugar do mundo: amor, solidariedade, compaixão, orgulho, inveja, ciúme, ressentimento, intolerância, hipocrisia, violência.

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À pergunta: “quanto há de ficção no romance e quanto de realidade?”, Mantovani responde: “Isso importa, meu amigo? A realidade não existe. Não há fatos, há interpretações. A verdade, ou aquilo que chamamos de “verdade”, é uma interpretação que prevaleceu sobre outras”. Há historiadores, como Hayden White, que sustentam que até mesmo a escrita da História, aquela que aprendemos nos livros, é uma obra de ficção.

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Mantovani referindo-se ao trabalho de um expositor em Salas: “Sem querer, ele oferece uma perspectiva crítica. O que importa a intenção do artista?”. De fato, o público interpretará o que a obra lhe diz e não o que o autor pensou em dizer porque, mesmo para o artista, o sentido da obra muda com o tempo.

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“O artista tem que questionar, tem que sacudir”, porque “é alguém que não aceita o mundo como ele é”. O bom artista moderno ou contemporâneo procura evidenciar a desordem inerente em um mundo que nos esforçamos em ordenar e controlar.

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“A cultura é indestrutível, capaz de sobreviver aos piores desastres”. O termo “cultura” é aqui empregado no sentido de valores, crenças, instituições etc. que constituem o modo de vida e de pensar de um grupo social. Por isso Mantovani diz que em vão tentou fugir de Salas em toda sua vida.

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“Todos nós escritores somos egocêntricos, autorreferenciais, narcisistas e vaidosos”. Alguém duvida?

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“A criação artística é independente da ética ou da moral.” Quem se atreveria julgar a arte de Caravaggio ou Cellini a partir de critérios morais ou éticos?

Na próxima semana escreverei sobre “Cinema, aspirinas e urubus”.