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Filmes da Netflix: ’Minha obra-prima’

08 de Maio de 2020 às 00:01

Filmes da Netflix: ’Minha obra-prima’ Arturo elabora plano que leva às alturas o preço das obras de Renzo. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

O diretor argentino Gastón Duprat dirigiu “Minha obra-prima” em 2018. Em 2016 havia dirigido, em parceria com Mariano Cohn, o filme “O cidadão ilustre”, também disponível na Netflix.

“Minha obra-prima” é uma comédia particularmente interessante, porque levanta duas questões referentes à arte da pintura: o que determina a fama de um artista moderno ou contemporâneo e como é estipulado o preço de uma obra? Meu propósito não é o de discorrer sobre um tema tão controverso e de amplitude colossal, mas o de escrever sobre o que o filme nos diz sobre essas questões. Para tanto, lançarei mão de alguns textos sobre arte e de um depoimento do próprio roteirista Andrés Duprat, que é diretor do Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires e irmão do diretor do filme.

Na sociedade de consumidores, tudo se transforma em mercadoria e a obra de arte não é exceção. Para ter valor comercial, a obra deve ter originalidade, autenticidade e raridade. Em uma sociedade que é regida pela lei da oferta e da procura, a raridade é determinante do preço da obra. A autenticidade é garantida pelas galerias de arte conceituadas e museus. O marchand é um corretor de obras de arte e o artista é um cliente com uma obra para vender.

O comprador confia que o marchand, um especialista, lhe dará as chaves para interpretar a obra e o preço correto que ele deve pagar por ela. O preço também dependerá de onde a obra ou outras obras do autor já foram expostas. Os colecionadores utilizam-se dessas informações para estabelecer um preço que assegure o retorno do seu investimento. Portanto, o preço vem de parâmetros que não são exclusivamente ligados ao valor estético da obra, uma vez que tem forte dose de especulação financeira. Assim é que um milionário pode ter em sua casa uma obra para testemunhar seu poder econômico e sua erudição -- mesmo que seja um ignorante em assuntos de arte.

Grande parte dos artistas modernos e contemporâneos são rebeldes, o que torna sua arte maravilhosa, porque criticam a cultura, a desigualdade, a razão científica, a indústria cultural do entretenimento, a alienação das consciências e muito mais. Mas essa rebeldia social se faz dentro de limitações estabelecidas por um sistema que tem regras: manter relacionamento cordial com a crítica, submeter-se às exigências de eventos sociais, manter-se à disposição da imprensa e assim por diante. O lucro dos artistas é influenciado, em menor ou maior grau, pela forma com que essas regras são seguidas.

O comportamento de Renzo Nervi não se ajusta a essas exigências. Briga com críticos arrogantes, não comparece às exposições de suas obras, é irônico, temperamental, antissocial, não faz arte sob encomenda. Suas obras não vendem, é decadente porque não se adaptou à nova moda, como lhe diz seu marchand.

Arturo cria um plano ousado: simula o suicídio de Nervi, esconde-o e faz com que ele volte a pintar ao estilo do passado. Vários acontecimentos, que nada têm a ver com arte, fazem com que suas obras passem por forte valorização que, paradoxalmente, é incrementada com a descoberta do plano de Arturo. Quando regida pelo mercado especulativo, a arte é uma fraude, como diz Nervi.

Na próxima semana escreverei sobre “O cidadão ilustre”.