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Filmes da Netflix: ‘Match point’

03 de Abril de 2020 às 00:01

Filmes da Netflix: ‘Match point’ Chris (Jonathan Rhys Meyers) e Nola (Scarlett Johansson) vivem situações que mostram a boa sorte do primeiro e o infortúnio da segunda. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

Encerrei o artigo da semana passada sobre “Negação” dizendo que nos filmes da maior parte dos diretores ocorre uma ampla dispersão de cenas que nada têm com o que, supostamente, seria o objetivo central do filme. Afirmei também que em filmes de grandes cineastas nada é supérfluo, tudo está concentrado no aprofundamento das suas teses. Este é o caso de “Match point”, de Woody Allen.

Uma análise razoável de “Match point” seria extensa, porque o filme levanta várias questões, todas relacionadas entre si. Neste único artigo adicionarei algumas poucas informações ao artigo que escrevi sobre o filme em junho de 2019.

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O filme trata de tópicos como destino, acaso e sorte.

É possível apresentar o destino sob uma perspectiva que não a religiosa. Freud substituiu o destino pelo inconsciente, que é calcado em pulsões de vida e de morte que habitam o sujeito. Portanto, o destino refere-se às escolhas que somos levados a fazer, fruto de nossa organização psíquica e determinadas por um inconsciente ingovernável que atua de modo independente da nossa vontade consciente; logo, o ser humano não conhece nem os outros com quem convive, nem a si próprio. É isso que Chris diz a Nola, que lhe aparece em sonho.

Freud entendia que vamos interagindo com a vida e construindo nossa história a partir das pulsões de vida e morte, da capacidade de nosso aparelho psíquico para gerenciar conflitos internos e do contato com o outro. Se uma bala perdida me deixa paraplégico, enfrentarei os efeitos dessa casualidade de forma menos ou mais dolorosa, dependendo da minha organização psíquica.

Chris esquece a aliança no bolso e deixa cair um projétil perto da esposa. Freud duvidava de acasos. Esquecer a aliança no bolso é uma forma inconsciente de deixar vestígios para ser punido pelos crimes e deixar cair o projétil é modo de possibilitar que a esposa o impeça de executá-los. Ou seja, inconscientemente, Chris não quer cometer os crimes e, uma vez que os comete, quer ser punido. Tem, portanto, consciência moral e sentimentos éticos.

Mas, para Freud, consciência moral e sentimentos éticos não são naturais no indivíduo: são criados para normatizar os relacionamentos entre os homens; caso contrário, sua agressividade natural ameaçaria a sobrevivência da espécie.

É assim que um jovem que luta pela vida, que aprecia as artes, pode mostrar o lado pior do ser humano quando tem seu futuro e a ascensão social que deseja ameaçados por uma mulher que destruiria seu casamento, condenando-o a uma vida rotineira de pai de família pobre. Por isso, aprenderá a esconder a culpa sob o tapete para não ser soterrado por ela, como diz a Nola.

A relação de Nola e Chris se desenvolve sob o imperativo do dilema entre razão -- que afasta um do outro e os leva a se manter ligados a Tom e Chloe -- e emoção, que os leva a se unir. O rompimento do noivado com Tom faz Nola reaproximar-se de Chris, interrompendo seu dilema. A gravidez da amante faz Chris se decidir por solucionar seu dilema, matando Nola.

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O filme tem muito mais para ser discutido. Bom divertimento.

Na próxima semana analisarei “O poço”.