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Filmes da Netflix: “Instinto selvagem”

18 de Dezembro de 2020 às 00:01

Filmes da Netflix: “Instinto selvagem” Catherine (Sharon Stone) é a nova mulher fatal e Nick (Michael Douglas) sua vítima indefesa. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

Este filme de 1992, dirigido pelo holandês Paul Verhoeven, se passa em San Francisco. A primeira cena é de um casal fazendo sexo e que termina com o assassinato do homem pela mulher. O detetive Nick Curran passa a investigar o crime. Descobre que a principal suspeita é a escritora, milionária e sedutora Catherine Tramell. O método usado no assassinato é a reprodução perfeita de um crime narrado em um de seus livros.

Nas décadas de 1940 e 1950 houve nos Estados Unidos um subgênero de filme policial designado como Film Noir. São filmes de mistério, suspense, perigo, e os personagens mais comuns são maridos ciumentos, policiais que confrontam com superiores ou com colegas incompetentes, muitos dos quais são corruptos etc. E raramente falta a “femme fatale” (“mulher fatal”).

“Instinto selvagem” tem os ingredientes dos filmes Noir, mas na sua nova versão, a da década de 1990. Nesta, a figura da mulher fatal é muito diferente daquela da década de 40 ou 50. Em seu livro “Lacrimae”, o filósofo esloveno Slavoj Zizek discorre sobre os dois tipos. A mulher fatal das décadas de 40 e 50 -- por exemplo, Rita Hayworth -- é um perigo porque coloca em cheque o domínio patriarcal masculino. É o próprio sistema patriarcal que a coloca como inimiga e, por isso, é geralmente destruída no final. Na nova versão, é o homem que é destruído pelo poder da sedução da mulher fatal. Ele se degrada moralmente e se reduz a um idiota condenado a se perder. Enquanto se encaminha para a ruína, o homem idealiza que, por baixo da superfície manipuladora e fria da mulher fatal, exista um bom coração que deve ser salvo e que a frieza de sentimentos e a capacidade de manipulação de parte dela são apenas uma estratégia defensiva.

Essa descrição da nova mulher fatal e da sua vítima se aplica sob medida a Catherine e Nick em “Instinto selvagem”. Ela se caracteriza por agressividade sexual frontal. É bissexual, mantém uma relação com uma jovem, a ciumenta Rocky, que mora em sua casa, e exerce fascínio sobre os que a cercam. Nick busca com Catherine relação de normalidade e segurança, com filhos. Mas, na forma de relação estabelecida pela jovem, não predomina a satisfação das partes de serem mutuamente reconhecidas uma pela outra, mas predomina a angústia da vítima, Nick, diante do caráter enigmático da mulher.

Nick tem um passado de violência na polícia e se recuperou graças à assistência de Beth, uma psicóloga da polícia e sua namorada eventual. Afastou-se da bebida, do cigarro e das drogas. Contudo, quando decide entrar no jogo de sedução de Catherine para investigá-la, seus vícios voltam. Ele descobre relações entre Rocky, Beth e Catherine e fica confuso sobre qual das três mulheres é a real criminosa. Mas acredita na inocência de Catherine.

O desejo de Catherine é similar ao que Lacan assimilou ao da fêmea do louva-a-deus, que devora o parceiro durante o acasalamento. É uma simbiose entre sexo e morte. Nessa forma de desejo, a parte representada pela vítima se vê passivamente presa ao desejo canibal do outro e não consegue escapar de seu destino.

Na próxima semana escreverei sobre “Cenas de um homicídio - uma família vizinha”

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec