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Filmes da Netflix: ‘Cenas de um homicídio - uma família vizinha’

08 de Janeiro de 2021 às 03:56

Chris Watts e a família, personagens de uma tragédia terrificante. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti – [email protected]

Este documentário, dirigido por Jenny Popplewell, refere-se ao crime ocorrido nos Estados Unidos, no Colorado. Em 2018, Chris Watts, de 33 anos, assassinou a esposa Shanann Watts, de 34, e as duas filhas do casal de 3 e 4 anos. Como Shanann estava grávida, o feto também foi morto. Chris vinha mantendo um caso extraconjugal há algumas semanas com Nichol Kessinger.

O filme utiliza gravações de mensagens de redes sociais, de interrogatórios policiais etc. e não tem entrevistas e nem narrador.

O leitor encontrará na internet uma série de diagnósticos sobre a personalidade de Chris, alguns interessantes, outros nem tanto. Penso que um diagnóstico viável deveria começar pela compreensão de como o crime ocorreu. Chris mente o tempo todo e o que afirma pode ou não ser verdade: ele matou primeiro as crianças ou a mulher? O crime foi parcial ou totalmente premeditado? Ocorreu no calor de uma discussão? Essas e muitas outras questões que ficam sem resposta são essenciais para um diagnóstico. Uma coisa é eliminar a família num impulso de ódio frente às ameaças da mulher e os berros das filhas atemorizadas, outra é esperar o retorno da mulher, deixá-la dormir para realizar a chacina.

O que levou Chris ao crime é outra incógnita e pode decorrer de uma combinação de motivos relacionados em maior ou menor grau: problemas financeiros (que existiam na vida do casal, mas que o documentário não menciona), vontade de reiniciar a vida afetiva e muitos outros. É razoável admitir que o recente caso extraconjugal de Chris seja um dos motivadores dos homicídios.

Mas o fato de querer sexo com outra mulher não significa desistir do casamento e muito menos assassinar a esposa. Mesmo que Chris fantasiasse que Nichol lhe daria o que a relação marital já não oferecia, poderia simplesmente separar-se de Shannann.

O fato de eliminar a família, leva a pensar que uma relação extraconjugal de apenas poucas semanas foi apenas o deflagrador de outros fatores que, no conjunto, levaram-no a cometer o crime.

Se ele não tivesse conhecido Nichol, é muito provável que não teria matado mulher e filhas naquele momento -- o que não garante que não o faria sob outras circunstâncias no futuro. Uma investigação policial, que não aparece no documentário, confirmou que Nichol Kessinger nada sabia sobre o plano do amante de exterminar a família.

Diante da desgraça tratada no documentário, alguns comentaristas agem como se fossem detentores definitivos do conhecimento da mente humana e, sem coletar material suficiente com o homicida, rotulam Chris de psicopata, narcisista, sociopata etc.

Minam a credibilidade da Psicologia ou da Psiquiatria como ciências, porque reduzem de forma leviana a complexidade do funcionamento cerebral e os comportamentos por ele determinado.

São simplificações grosseiras para explicar como alguém ligado aos pais, aparentemente tranquilo e carinhoso com a família, amado pela mulher depois de oito anos de convivência, amado pelas filhas e recentemente apaixonado por outra mulher, foi capaz de matar a esposa grávida e jogar as duas filhas crianças em um tanque de óleo.

Na próxima semana escreverei sobre “Paixão inocente”.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec