Filmes da Netflix: ‘Castelo de areia’
Ocre (Nicholas Hoult) vive os dilemas de um soldado em uma guerra que não compreende. Crédito da foto: Divulgação
Nildo Benedetti - [email protected]
Em 2018 escrevi nesta coluna sobre “Castelo de areia”, do brasileiro Fernando Coimbra, e meu propósito aqui é fazer algumas observações que completam aquele texto.
Existe farto material histórico ou inventado para produzir filmes sobre guerra, porque o ser humano, em todos os lugares, em todos os tempos e sob os mais variados pretextos, dedica-se a ela sem parar.
Alguns filmes servem para mostrar a coragem, o heroísmo dos combatentes envolvidos em conflitos atuais ou remotos de diversos locais, que devem vencer enormes desafios, sacrificando-se por seu país ou por uma causa nobre. Com frequência, esses filmes fazem propaganda política com menor ou maior clareza e variável grau de escrúpulo e procuram adicionar certo tempero de veracidade à história contada; exaltam a guerra para justificá-la direta ou indiretamente.
Na outra extremidade há os filmes pacifistas que se propõem a fazer pensar sobre ampla lista de aspectos terríveis dos conflitos armados.
Filmes com objetivos variados, alguns nada éticos, foram produzidos sobre a Guerra do Iraque, seja para condená-la, seja para justificá-la. Materiais para condená-la não faltam, dentre os quais se inclui o vazamento de correspondência da NSA (Agência de Segurança Nacional) dos Estados Unidos, que falava em grampear e até em chantagear os representantes dos países-membros do Conselho de Segurança para tentar obter a aprovação da ONU à invasão, conforme noticiado pelo jornal britânico The Observer e acanhadamente divulgado nos maiores jornais norte-americanos da época.
“Castelo de areia” se utiliza da do Iraque para criticar qualquer guerra. Mostra como, graças aos discursos dos superiores, jovens soldados tentam exibir força física e mental, capacidade de decisão diante de imprevistos, solidariedade de uns com os outros, orgulho da farda. Mas são pessoas comuns, frágeis, que temem a morte ante um inimigo que não veem, que querem voltar para casa, que não se questionam sobre o sentido do que estão fazendo. Empunham armas sofisticadas, utilizam-se de equipamentos de alta tecnologia, parece um exército invencível, mas bate em retirada no único combate terrestre do filme diante de inimigos maltrapilhos. Tem a fragilidade do castelo de areia referido no título.
O protagonista, soldado Ocre, tem consciência dessa tragédia e, por isso, permanece pensativo e angustiado. No início, trata de escapar dos combates, ferindo a própria mão. Contudo, ao final resolve permanecer no Iraque. É difícil ao espectador propor um motivo predominante: vingar a derrota sofrida no campo de batalha, solidariedade com os camaradas, ódio ao inimigo, patriotismo desenvolvido nos meses em que lutou, tentativa de ajudar a população sofredora e vários outros ou uma mistura deles. A dificuldade de entender o sentido da sua atitude é metáfora da própria dificuldade de dar um sentido àquela guerra. Mas desconfio de que o conflito, no final, transformou Ocre em um indivíduo pior --- como é do gosto dos que patrocinam as guerras, confortavelmente instalados em suas poltronas longe dela, decidindo quando e como fazê-la e como forjar motivos para justificá-la.
Na próxima semana escreverei sobre “Soldado anônimo”
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.