Filmes da Netflix: “Beasts of no Nation”
O menino Agu, criança-soldado que se transforma sem amadurecer. Crédito da foto: Divulgação
Nildo Benedetti - [email protected]
“Beasts of no Nation” (“Bestas sem nação”, em tradução livre), do norte-americano Cary Joji Fukunaga trata de uma questão humanitária que o primeiro mundo prefere ignorar, o das crianças-soldados em um país não identificado da África arrasado por uma guerra civil sangrenta.
O protagonista é o pequeno Agu, cuja aldeia é invadida pelas forças regulares do Exército. Partindo do pressuposto não comprovado de que todos na aldeia são simpatizantes de guerrilheiros, os soldados procedem à execução em massa dos civis. A família de Agu se desfaz, ele foge da execução e é forçado a se incorporar à guerrilha para sobreviver.
A guerra é uma escola de morte, que transforma um menino sensível, afetivo e ligado à família em assassino impiedoso. Mas o filme poupa o espectador de imagens comuns em filmes de guerra, como explosões, corpos ou partes de corpos voando, ruídos ensurdecedores e música apropriadamente fácil. Em “Beasts of no Nation”, mais importante do que violência física é a distorção psicológica que a guerra provoca, principalmente em crianças. Elas se tornam dependentes de drogas, sofrem abuso sexual, mas continuam com modos de crianças, sem demonstrações de ódio, como se foram autômatos empedernidos, em terrível contradição com sua condição infantil. Elas não amadurecem, se transformam
A narração Agu fora da tela é, de fato, uma exposição de seus sentimentos com respeito à sua infância roubada e à sua crueldade. Por isso, seu raciocínio é adulto. Cita Deus com frequência, procura Sua proteção e ajuda -- quando, por exemplo, indaga: “Deus, está vendo o que estamos fazendo?” -- e, como não encontra respostas, se afasta dele.
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Gostaria de adicionar algumas ideias sobre a guerra àquelas que expus nos artigos anteriores.
Umberto Eco afirma que no passado o objetivo da guerra era o de derrotar o adversário, para extrair de sua derrota algum benefício. Mas, por causa da economia globalizada, na guerra atual alguns poderes econômicos entram em concorrência e a lógica do conflito entre eles supera a lógica dos países individualmente. Por exemplo, o fato de o Iraque ter sido armado pelas indústrias ocidentais e depois ser atacado, faz parte da lógica do capitalismo globalizado e foge ao controle de cada Estado em separado. Portanto, é razoável anunciar a necessidade de um tabu de modo a proclamar a impossibilidade da guerra. No século 20, a guerra fria foi uma alternativa para os confrontos diretos. Embora tenha sido ocasião de horrores, injustiças, intolerâncias, conflitos locais, foi uma solução menos letal do que as carnificinas patrocinadas pelo nazi-fascismo da primeira metade daquele século.
Na guerra, atos violentos contra a vida são realizados impunemente, sendo o lugar perfeito para liberar a que Freud chamou de pulsão de morte, isto é, a animalidade que o ser humano procura conter ou esconder, mas mantém como propensão. Não é preciso muito para o indivíduo cruzar a linha tênue que separa o racional e o irracional, o bem e o mal e se dispor a lutar numa guerra em que alguns poucos lucram, e muitos, de todas as idades e de todos os gêneros, perdem os bens, a dignidade, a vida.
Na próxima semana escreverei sobre “Viver duas vezes”
Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec