Filmes da Netflix: ‘12 anos de escravidão’
Solomon Northup (direita) é sequestrado e transformado em escravo no Sul dos Estados Unidos por 12 anos. Crédito da foto: Divulgação
Nildo Benedetti - [email protected]
Este filme, dirigido pelo inglês Steve McQueen, se presta a refletir sobre o atualíssimo tema do racismo. Muito já foi escrito mostrando que o racismo contraria a biologia, a moral, a psicologia, preceitos religiosos, etc. Tratarei da questão sob a perspectiva da linguagem.
A relação entre pensamento primitivo e o pensamento infantil foi estabelecida por vários autores, incluindo Freud. A infância nas sociedades civilizadas seria a imagem aproximada das sociedades primitivas e o desenvolvimento da criança à vida adulta pode ser tomado como demonstrativo do desenvolvimento da sociedade desde os tempos primitivos à atualidade.
Contudo, vários outros pensadores, incluindo o antropólogo e filósofo Claude Levi-Strauss, contestam essa noção, afirmando que todos os elementos da vida social acham-se dados desde o início da vida infantil. Cada criança, independentemente de etnia ou cultura, traz ao nascer, em forma embrionária, a totalidade dos meios de que a humanidade dispõe para definir suas relações com o mundo e com o outro. Dentro dessa totalidade de possibilidades, cada cultura e cada período da História escolhem algumas para conservar e desenvolver. Os esquemas mentais do adulto divergem segundo cultura e a época a que pertencem, mas todos são elaborados a partir de um fundo universal, infinitamente mais rico do que aquele de que cada sociedade particular dispõe na vida adulta. Dentre essas, está a linguagem. A criança nasce com a capacidade de produzir a totalidade dos sons realizáveis na linguagem humana. Cada língua se utiliza de uma parcela desses sons e as Ilimitadas possibilidades que estavam abertas no plano fonético ficam irremediavelmente perdidas no adulto.
Somos os únicos seres vivos que nascem com a capacidade inata de formular uma linguagem com sintaxe e semântica, o que nos permite experimentar uma amplíssima gama de sentimentos, emoções, conhecimentos. Os animais são incapazes de formular uma sentença, embora possam compreender a linguagem de sinais. A linguagem ocupa uma área específica de nosso cérebro, a área de Broca. O linguista Andrea Moro afirma que não criamos a linguagem para nos comunicar, mas, ao contrário, usamos nossa capacidade inata da linguagem para a comunicação.
Uma etnia ou uma cultura que fosse mais evoluída do que outra teria, obrigatoriamente, de trazer do berço uma linguagem capaz de exprimir emoções ou pensamentos complexos de que as etnias ou culturas supostamente inferiores não seriam capazes. Além disso, crianças de uma etnia ou cultura superior, por serem mais inteligentes, aprenderiam mais rapidamente a se expressar por meio da linguagem. Contudo, os estudos linguísticos demonstram que não existem línguas menos ou mais desenvolvidas, porque em todas elas é possível expressar qualquer tipo de raciocínio ou emoção; e que não existem línguas menos ou mais complexas e difíceis, porque em todos os lugares do mundo as crianças aprendem a construir sentenças mais ou menos na mesma idade, por volta de três ou quatro anos.
Essas observações científicas invalidam o racismo e a xenofobia, que se apoiam numa suposta hierarquia entre povos, etnias e crenças.
Na próxima semana escreverei sobre “Gandhi”.