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Ficção científica no cinema (7)

01 de Fevereiro de 2019 às 11:57

“A chegada”, de Denis Villeneuve, tem recado sábio, mas utópico no momento: a humanidade deverá substituir a competição entre as nações pela colaboração. Foto: Divulgação

Nildo Benedetti – [email protected]

Como indivíduo preocupado com o futuro da humanidade frente à inteligência artificial, Yuval Noah Harari considera que a ficção precisa ser responsável pelo modo como descreve realidades científicas. Caso contrário poderá incutir ideias erradas nos indivíduos ou levá-los a focar sua atenção nos problemas errados -- como, por exemplo, a ficar estupefatos com uma possível guerra entre robôs e humanos, quando na realidade deveria temer um conflito entre uma pequena elite de super-humanos com poderes ampliados por algoritmos e uma vasta subclasse de seres humanos sem nenhum poder. Os filmes, portanto, deveriam ter função educativa sobre um problema grave. Afirma que os cientistas precisam estar muito mais envolvidos nos debates públicos atuais sobre temas das suas especialidades. Silêncio não é neutralidade. É importante comunicar as últimas teorias científicas ao público em geral por meio de livros de divulgação científica e por meio do uso da arte e da ficção. Isso não torna absurda a ideia de que cientistas deveriam escrever livros de ficção científica, porque a arte desempenha um papel fundamental na maneira pela qual as pessoas concebem o mundo.

Um dos maiores erros da ficção científica é a tendência a confundir inteligência com consciência, que são coisas muito diferentes. Inteligência é a aptidão para resolver problemas enquanto que consciência é a aptidão para sentir dor, alegria, amor, raiva, se apaixonar. Tendemos a acreditar que, ao suplantar a inteligência humana, computadores adquirirão também consciência. Mas, pelo menos nas próximas poucas décadas não teremos de lidar com o pesadelo de que a inteligência artificial adquira consciência e decida escravizar e aniquilar a humanidade. É improvável que possamos programar computadores conscientes em algum momento próximo e, por isso, a inteligência artificial continuará a depender da consciência humana.

Como vimos anteriormente, a inteligência artificial terá capacidade de analisar os seres humanos com precisão bastante para tratar doenças ou reduzir acidentes de trânsito; poderá também conhecer-nos tão bem que identificará nossos temores, ódios e desejos mais profundos e usá-los para nos vender um político ou uma ideologia que nos prejudicarão. Pode, portanto, nos fazer o bem ou o mal, mas sem ter sentimentos próprios. É difícil imaginar uma inteligência artificial professando conscientemente uma crença religiosa. Em muitos filmes de ficção científica vemos robôs que se rebelam contra seus senhores humanos e saem matando todo mundo. Mas os robôs obedecerão a seus senhores e não se rebelarão. Se os senhores forem benignos, a obediência cega dos robôs poderá ser benéfica.

Filmes de ficção científica deveriam incentivar a expandir e diversificar a compaixão e compreender e atuar nas causas profundas do sofrimento humano. E incentivar a colaboração entre as nações, porque os desafios apresentados por Harari não podem ser enfrentados localmente; exigem soluções globais.

* Na próxima semana retorna o Cine Reflexão, da Fundec.