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Fibromialgia: ainda há dúvidas e desafios

27 de Novembro de 2019 às 00:01

José Eduardo Martinez

O bom funcionamento do aparelho locomotor é essencial para a qualidade de vida. O movimento corporal permite a independência pessoal por meio da autonomia para executar as atividades do dia a dia. Porém, músculos, articulações, tendões, bursas e ossos podem ser afetados por doenças, traumas ou, ainda, sobrecarga relacionada ao estilo de vida e à ocupação. Quando estas estruturas ficam doentes, as manifestações mais importantes são a dor e a limitação de movimento. Seu impacto individual, social e familiar pode ser devastador.

Outro aspecto a ser salientado é a relação com os demais sistemas e com aspectos emocionais e estresse. Entre as doenças relacionadas ao estresse psicológico agudo ou crônico, uma das mais prevalentes é a fibromialgia.

Os pacientes com fibromialgia são identificados pelo que sentem. Dor generalizada, cansaço constante, sono não reparador e até mesmo sintomas como esquecimento, dificuldade de concentração e atenção, quando presentes em conjunto, levam ao diagnóstico.

Embora não haja relação comprovada de causa e efeito com depressão ou ansiedade, esses distúrbios psiquiátricos determinam um subgrupo de pacientes mais resistentes ao tratamento. Não há exames laboratoriais ou de imagem para confirmação, o diagnóstico é realizado totalmente na consulta médica. Os eventuais exames solicitados são úteis apenas para distinguir de outras doenças semelhantes.

Essa ausência de dados objetivos gera, muitas vezes, mais angústia. Vários pacientes manifestam, com frequência, que gostariam de ter um exame de sangue ou de imagem que mostrasse sua dor. Na verdade, não há. Esse desejo decorre da vontade de ter seus sintomas reconhecidos, já que, constantemente, sentem que as pessoas ao seu redor, mesmo os profissionais de saúde, não entendem seu sofrimento.

Quando falamos de estresse, nos referimos a alterações biológicas frente a situações que nos parecem ameaças. O organismo se prepara para enfrentá-las ou fugir, por meio de modificações hormonais e relacionadas à produção de energia.

Nos dias de hoje, nosso estilo de vida (ou, ainda, as características individuais pertinentes a cada personalidade) faz com que encaremos frequentemente situações do cotidiano como ameaças e, portanto, geradoras de estresse. Essa reação pode ocorrer várias vezes ao dia e tem como consequência a desregulação de várias funções do organismo, como o controle da dor, a qualidade do sono, o foco da atenção, etc. Entre as teorias para o desenvolvimento da fibromialgia, o papel do estresse é o que me parece mais relevante.

O diagnóstico correto e completo da fibromialgia inclui a identificação de estressores e aspectos pessoais que predispõem ao seu desenvolvimento. O objetivo do tratamento é melhorar os sintomas e, sobretudo, a qualidade de vida, incluindo-se uma inserção profissional, social e/ou familiar completa e recompensadora. Para tanto, médicos e pacientes têm que estar no mesmo caminho e compartilhar metas e estratégias de abordagem.

Não há qualquer medida isolada que atenda todas as demandas. A combinação de educação em saúde, exercícios físicos e medicamentos é a estratégia com maior nível de evidências científicas que fornecem benefícios aos pacientes. Outras medidas, como a acupuntura e técnicas psicológicas, também podem ser relevantes.

A atividade física orientada é essencial para uma boa evolução. A presença de dor leva a uma tendência natural para que o paciente se exercite menos. Isso é um grande erro. Na fibromialgia, o exercício é tratamento e como tal deve ser encarado.

Em relação aos medicamentos com eficácia comprovada, alguns também são antidepressivos, ansiolíticos e anticonvulsivantes, embora atuem na dor por mecanismos diferentes daqueles que atuam em outras doenças do sistema nervoso central. Analgésicos, relaxantes musculares e indutores do sono podem atuar de forma auxiliar em casos específicos.

Se você acha que pode ter fibromialgia ou já teve seu diagnóstico estabelecido, procure assistência médica. Um plano de tratamento que associe exercícios e medidas não farmacológicas e remédios pode levar à melhora importante de seus sintomas e a uma vida com qualidade.

O médico José Eduardo Martinez é professor titular do Departamento de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC-SP, campus Sorocaba, e Secretário Geral da Sociedade Brasileira de Reumatologia