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Fera ferida

24 de Outubro de 2019 às 00:01

Fera ferida Crédito da foto: Pixabay

Carlos Brickmann

O presidente Bolsonaro abandonou no caminho seu antigo aliado Magno Malta. Sem problemas: Malta é pastor, é bonzinho. Fez pouco de seu braço direito na campanha, Gustavo Bebbiano, e o abandonou. Mas Bebbiano era muito amigo, e se calou. Tentou demolir Luciano Bivar, presidente nacional do PSL, que lhe cedeu o partido para candidatar-se. Sem problemas: Bivar é compreensivo, acertam-se lá na frente. E disparou contra Joice Hasselmann, afastando-a do cargo e permitindo que a atacassem por sua aparência física. Terá problemas: Joice não é boazinha, não. É agressiva, raciocina rápido, devolve em dobro os desaforos que recebe. E já mostrou que tem nas mãos a denúncia que pode causar problemas ao presidente.

Joice postou mensagem em que acusa os filhos de Bolsonaro de montar uma máquina de produzir perfis falsos nas redes sociais. E disse à GloboNews que parte do esquema operou dentro do gabinete presidencial, no Palácio do Planalto. Os filhos 01, 02 e 03 de Bolsonaro, segundo ela, são responsáveis por no mínimo 20 geradores de notícias falsas no Instagram, que alimentariam uma rede de 1.500 páginas e perfis falsos -- o que Joice chama de “milícia digital” (para quem a conhece, o nome “milícia” não foi escolhido ao acaso). Disse que levará a informação ao Ministério Público. E, não esqueçamos, está para se iniciar a Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara e do Senado para investigar fake news e assédio virtual. Na hora H.

Sejam quais forem os defeitos de Joice, a campanha de insultos virtuais desencadeada contra ela, por estar acima do peso, é inaceitável. Ser gordo não é crime. Na Segunda Guerra Mundial, que Eduardo Bolsonaro tanto cita, Churchill era gordo, Hitler era magro. Quem estava do lado certo era o gordo.

Mas, entrando no caso, usar o gabinete presidencial para divulgar falsas notícias contra adversários pode ser visto, no mínimo, como abuso de poder. Joice, lembremos, até domingo era líder do Governo no Congresso. Deve saber de mais coisas. Goste-se ou não dela, é uma fera ferida que ruge alto. Imagine seu depoimento na CPMI das Fake News. Caso pequeno? Maior ou menor que o das pedaladas fiscais? Ou do Fiat Elba que depôs Collor?

Atenção aos detalhes

O tempo volta, torcida brasileira. Passados uns dois mil anos, mais ou menos, o debate político no país volta a utilizar hieróglifos, como na época dos antigos egípcios. O que mudou foi o nome dos hieróglifos, agora “emojis” -- e foi por emojis que Joice Hasselmann e Carlos Bolsonaro, o filho 02 do presidente, duelaram nas redes sociais. Os emojis podem ser genéricos (como o coraçãozinho, para demonstrar afeto), e podem ser bem específicos. No caso, de ambos os lados, foram usados com significado específico. Aliás, considerando-se o nível do debate político no país, para que usar palavras?

A propósito, Joice tem mantido dois discursos distintos: no primeiro, em palavras, diz que os filhos de Bolsonaro são meninos mimados e deveriam se abster de atrapalhar o governo do pai. No segundo, com os emojis, mostra que ainda há muitas escadas para descer até se dar por satisfeita.

Maluqueceram

A cidade se chama Aparecida, lembrando a imagem de Nossa Senhora ali encontrada por pescadores, no rio Paraíba do Sul. Ali está a maior basílica do Brasil. A cidade vive do turismo religioso -- como, no Exterior, Fátima e Lourdes. A 180 km de São Paulo, é famosa como destino de romarias. Mas a Justiça de Aparecida proibiu a construção de uma grande estátua de Nossa Senhora, e ordenou a retirada de cinco obras em sua homenagem de áreas públicas do município. A Justiça atendeu a pedido da Atea, Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos. A Prefeitura informou que vai recorrer.

A Atea acha ilegal doar área pública para monumentos religiosos. As obras foram pagas pela Prefeitura com verba da Secretaria estadual de Turismo. Correto: a cidade recebe 13 milhões de turistas por ano, e todos vão por motivo religioso. A estátua, que terá 50 metros de altura, está ainda desmontada e suas peças se acumulam num terreno da Prefeitura.

Carlos Brickmann é jornalista. E-mail: [email protected]