Famílias modernas
Uma pesquisa realizada pela AVG, empresa especializada em segurança on-line, revelou que 42% das crianças ouvidas sentem que seus pais passam mais tempo usando celulares do que com eles. Mais da metade das crianças respondeu que seus pais “checam demais o smartphone” (54%).
Renata Sguissardi Rosa, 2016
-- Luís! Venha já aqui.
-- O que foi Sueli?!
-- Olhe o que eu achei escondido nas coisas do nosso filho!
-- Controle-se, meu bem. O que é isso?
-- Veja você mesmo. Nunca imaginei que nosso filho fosse capaz.
-- Não! Não é possível é um celular comum.
-- Se pelo menos fosse um smartphone. Está sem cartão e nem a bateria foi carregada!
-- Um celular sem uso nas coisas do nosso filho, pra quê? E se for um filho pirata?
-- Não é tenho certeza, conferi o código de barra dele. Chame-o aqui, eu não consigo estou trêmula.
-- João Vitor! ...Ah! Aí está você. Isto é seu? Não minta. Sua mãe achou esse celular desligado no meio das suas coisas.
-- É meu sim, papai. E os livros do Marcel Proust também.
-- Livros? Eu tive tanto cuidado. Não saía do Youtube para descobrir como criar um filho, agora isso. Ele poderia ser um Youtuber, um influenciador digital e agora o que será dele? Um cientista, um empresário ou pior um intelectual?
-- Por favor, querida não desmaie. Filho desde quando você está sendo assediado por esse Proust ou sei lá o quê?
-- É um escritor, pai.
-- Como? Ninguém escreve mais nada, tudo vem digitado e on-line.
-- Que horror! Acho que nunca mais vou postar nada no Instagram depois disso. Perdi a fé na Internet! Por favor, Luís apague meu perfil no Facebook, quero ser deletada desse mundo.
-- Viu o que você fez João Vitor? Sua mãe está a ponto de apagar o perfil nas redes sociais. Você quer que ela seja uma... uma pessoa... Analógica!
-- Chega, Luís, já me basta o martírio de não poder postar e nem compartilhar com meus contatos isto tudo. Oh! Senhor Mark Zuckerberg, tende piedade de nós. Um só byte seu e o chip do meu filho será salvo!
-- Filho! todos temos um momento de rebeldia já aconteceu comigo, tive um perfil falso na web. Mas você ainda pode ser normal. Basta por exemplo... há... sei lá... fugir de casa? Hein? O que acha querida? Pode ser um bom começo.
-- Não quero, pai!
-- Não quer fugir de casa? Quem liga se você não sabe dirigir, agora tem GPS, Google Maps e Google Earth. Você vai onde quiser. Vamos esquecer isso, fazer uma selfie e postar nas redes sociais, que tal?
-- Não quero!
-- Mas filho! Você é um adolescente!
-- Quero ler no meu quarto.
-- A essa hora? Você está pensando o quê? Quer me deixar louca e me vergonhar. Dormir cedo? Antes das quatro da manhã não larga o computador e ponto final. Luís denuncie esse tal Proust!
-- E o que eu vou fazer no computador?
-- Você ainda pergunta? Só me faltava essa. Não vai me dizer que nenhum dos seus amigos fuma, bebe, vai mal na escola, pega carro escondido e fica na internet divulgando os vídeos ou vendo sites proibidos? Ora, faça coisas normais que os jovens fazem!
-- Meus amigos não fazem isso.
-- Não?! E os pais deles não tomam providências?! É uma aberração! Luís largue esse blog e fale com seu filho!
-- Nunca mais repita isso nessa casa, filho. Quer dizer que você tem amigos que não fazem coisas proibidas? Só falta você me dizer que eles gostam da escola?
-- Nós gostamos de estudar, ouvir música, ler e discutir o futuro do país.
-- Misericórdia! O que foi que nós fizemos para merecer isso? Filho! Você tem que ser um adolescente normal como todos os outros. Você tem que criticar as minhas roupas, rir da minha geração, achar ridículos os meus discos e minhas amigas, dizer que eu sou perua, por fora de tudo e não sei nada de nada.
-- Filho você tem que ser como os outros garotos da sua idade. Está faltando alguma coisa para você nessa casa? Precisa de um smartphone, um Ipod, Ipad, uma outra conexão? Qualquer coisa que torne sua vida digna? Diga!
-- Posso dar um beijo e um abraço em vocês dois?
-- Sueli! Você ouviu isso?! O que será do Streaming? E da Netflix?
-- Diga alguma coisa filho, por favor?
-- Eu amo vocês dois.
-- Fale baixo! Se os vizinhos escutam! Onde foi que erramos? A culpa é sua, Sueli! Educou esse menino com muita leitura, bons modos e deu nisso. E agora, o que faremos?
-- Só há uma salvação para nós querido... Vamos procurar no Google!
Do jeito que vai, os militares não vão se preocupar com a aposentadoria, estarão todos empregados no novo governo.
José Feliciano - redator - roteirista de humor e mistérios - Médico de muitos filhos.