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Enem, a missão (parte 2)

28 de Setembro de 2018 às 10:58

Foto: Pixabay

Neste artigo, será feita uma análise da régua de correção da prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) utilizada pela banca. A matriz de competências dessa prova divide-se em cinco partes, assim distribuídas: I -- Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa; II -- Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa; III -- Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista; IV -- Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação; V -- Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.

Como a prova de redação totaliza mil pontos, cada uma dessas cinco etapas é pontuada de zero a duzentos, numa escala progressiva de critérios que vai do nível zero ao nível cinco, sempre numa graduação de 40 em 40 pontos. Para cada um desses níveis, há uma especificidade que norteia os princípios de correção da dissertação argumentativa, a fim de que não pairem dúvidas sobre o processo.

A fim de ilustrar essa questão, chamo a atenção sobre o campo voltado à norma padrão da língua, ou seja, mais especificamente a gramática. Nesse quesito, a banca examina: pontuação, acentuação, ortografia, concordância verbo-nominal e regências verbal e nominal. No fundo, são os pontos mais nevrálgicos do ensino do nosso idioma, principalmente no final do ciclo, em que o aluno está às portas da universidade. O MEC trabalha com a expectativa de que o corpo discente dessa faixa etária está pronto para tal desafio.

Para ser claro, vamos supor que um candidato tenha obtido 40 pontos, qualificado, portanto, no nível I, na competência I, algo que o deixa numa situação muito desfavorável frente aos demais participantes. Pois, de acordo com a banca, esse concorrente “demonstra domínio precário da modalidade escrita formal da língua portuguesa, de forma sistemática, com diversificados e frequentes desvios gramaticais, de escolha de registro e de convenções da escrita”. De certo modo, seu baixo desempenho gramatical poderá influir nos demais itens da régua de correção e, assim, comprometer o produto final: o texto.

Todavia, também não basta o concorrente obter 200 pontos em coesão, nível V, caracterizado como alguém que “demonstra excelente domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de escolha de registro (...)”, e apresentar, nos demais itens da régua, rendimentos que fiquem na casa dos 80 pontos. Certamente, não totalizará nem 600 pontos e, dependendo do curso almejado, passará longe da referida vaga.

Nesse contexto, o candidato precisa ter em mente que as cinco competências formam um todo coeso, como se fosse um só organismo, e que nem um único item pode ser preterido porque, se por um lado o jovem precisa demonstrar que sabe escrever, por outro, precisa compreender que a competência II o coloca na condição de leitor da realidade que lhe é apresentada, via tema proposto.

Assim, em consonância ao tema, será necessário que o aluno apresente argumentos que estejam vinculados a determinada área do conhecimento, principalmente as relacionadas ao NH (Núcleo de Humanas: Filosofia, Sociologia, História, Literatura etc.). Além disso, poderá recorrer ao chamado fato notório, discurso de autoridade, conhecimento científico ou, ainda, citações de pensadores que ajudem a sustentar sua linha de defesa da tese.

Vamos imaginar que o tema da redação seja a “Ausência de memória de nosso país”, logo será inevitável tocar na tragédia que se abateu sobre Museu Nacional do Rio de Janeiro, recentemente; porém, terá que fazer um recorte com o contexto histórico de nosso país, em que há um relativo desprezo pelo nosso passado. Se a questão esbarrar na falta de moradias populares, por que não recorrer ao romance “O Cortiço”, a fim e estabelecer uma conexão com a realidade brasileira, na qual, desde o século XIX, a população carente vive nas condições mais indignas possíveis. É pertinente que se fale da desigualdade social.

No entanto, não basta apresentar um “quilo de argumentos” de forma desorganizada, pois a competência III pede que o participante tenha senso de organização para avaliar as informações e selecionar as mais pertinentes, via interpretação dos fatos e opiniões, para garantir progressão temática. Tal organização se dá pela competência IV, com o emprego adequado dos conectivos textuais, elementos de retomadas e sinônimos que garantem fluidez textual.

Para concluir, nunca é demais frisar que, ao contrário do que muitos imaginam, o Enem valoriza o pensamento crítico do candidato diante do tema proposto. Todavia, as críticas devem ser construídas por meio de um conhecimento teórico consistente, além de um repertório fundamentado na leitura de jornais, livros, revistas e noticiários televisivos. Na sequência desta série, será dada especial atenção à competência V, cujo foco é a construção de uma proposta de intervenção humanizada. Até lá.

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa Língua sem Segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), sempre às segundas-feiras, das 22h às 24h.

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