Buscar no Cruzeiro

Buscar

Eleições, Gripes e Pilatos

13 de Outubro de 2018 às 07:31

Eleições, Gripes e Pilatos Crédito da foto: Vanessa Tenor

Edgard Steffen

Se me virem dançando com mulher feia, é porque a campanha já começou* (Juscelino Kubitschec)

Passado o vendaval que varreu para fora (ou enfiou embaixo do tapete) figurinhas carimbadas do cenário político nacional, a ressaca cívica. Chegaram as costuras para definir quem vai apoiar quem. Os que disputarão o segundo turno terão de falar com muito cuidado. Pela retórica podem prometer de tudo, mas o povo que os sufragou cobrará a fatura pelo voto. Tudo indica que não adiantará tentar eleger candidatos como se vende margarinas, sabonetes, postes ou salvadores da pátria.

Diferente de JK que dançava apenas quando começava a campanha eleitoral, o povo brasileiro vem dançando com as disformes damas da demagogia, desocupação e desesperança, produtos de partidos e pérfidos políticos perpetuados no poder pelas propinas da petrorroubalheira.

Perderam-se políticos. Consolidou-se o regime democrático. Não mais “vivandeiras rondando bivaques”, nem ex-ministro condenado declarando “tomar o poder, o que é diferente de ganhar uma eleição”. Nosso País está à espera de projetos suprapartidários de longa duração para Educação, Saúde e Segurança. Devem ser cumpridos independentemente da alternância no Poder pelo voto democrático.

Gosto de citar fontes -- mesmo concordando com o humorista quando afirma que “somente as águas minerais são obrigadas a informar a fonte”*. Não me lembro onde li esta demonstração de cidadania. Tento reproduzi-la. John McCain, derrotado por Barack Obama nas eleições americanas, apressou-se em reconhecer a derrota e pôs-se à disposição do eleito para auxiliá-lo no que pudesse. Criticaram sua atitude. Como podes apoiar quem tanto te atacou na campanha? -- Lá ele era meu inimigo. Agora, é Presidente do meu País. Nossos postulantes do segundo turno terão grandeza semelhante?

Expressões de cidadania e respeito mútuo é o que os eleitores deles esperam. O Brasil precisa de paz. A situação está mais feia que a mãe do sarampo. Doença erradicada no Brasil, mas voltou pela fronteira de vizinho inconveniente.

Por falar em grandeza... envolvido na leitura dos resultados da eleição, quase esqueci do Centenário da Gripe Espanhola (assim denominada porque teria chegado ao Brasil com navios de imigrantes espanhóis e/ou porque o Rei Afonso XIII pegou a famigerada gripe). Lembrou-me o Cruzeiro do Sul**. A doença infectou mais de 1/3 da população mundial. Neste quesito empatou com a Peste Negra da Idade Média. Em números absolutos, é a campeã de óbitos entre as doenças pandêmicas. Matou mais gente que sua contemporânea Grande Guerra Mundial. A volta dos soldados, após o armistício, ajudou a disseminação do vírus (H1N1) causador da moléstia. No Brasil, notáveis da velha república como a educadora Anália Franco, o futebolista Belfort Duarte e o Presidente eleito Rodrigues Alves morreram da espanhola.

A cada 10 ou 20 anos o mundo é assolado por pandemia de influenza. O CDC (Center of Diseases Control) aguarda a próxima; só não sabe quando virá. Tranquilizado, por que hoje existem antibióticos e vacinas, você pode questionar. Para que mexer naquilo que já passou para a História?

Não se esqueça de que jatos cruzam os céus deste planeta distribuindo gente e seus micróbios com velocidades incríveis. A população de idosos cresceu muito. Também aumentou o número de obesos, asmáticos, diabéticos e imunodeficientes. O sistema de saúde patina no quesito efetividade e resolutividade. Sobram susceptíveis na população, ao mesmo tempo em que sobram vacinas nas unidades de saúde.

Por que coloquei Pilatos no título?

Em relação às gripes, imite o político romano: lave as mãos. Lave-as bem e várias vezes ao dia. O vírus da influenza permanece viável por horas no meio ambiente e nas mãos do gripado.

Em relação ao segundo turno, não imite Pilatos nem os que berraram pedindo crucificação. Não vocifere contra os que pensam diferente de você. Vote conscientemente. Não se omita nem lave as mãos. Vote!

(*) Apud Ruy Castro -- Mau Humor -- Uma antologia definitiva de frases venenosas -- Cia Letras, 2017

(**) CS -- “Cem anos depois a gripe espanhola traz lições” -- 9/10/2019, pág. A9)

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço -- [email protected]